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A Responsabilidade da União em Indenizar a Armazenagem ao Depositário Alfandegado em Procedimentos de Combate às Fraudes Aduaneiras


advogado aduaneiro

Introdução


O combate às fraudes aduaneiras é essencial para a proteção da economia e do comércio exterior. Contudo, os procedimentos instaurados pela Receita Federal muitas vezes acarretam retenção prolongada de mercadorias em recintos alfandegados, gerando custos significativos para os depositários. A legislação brasileira, como a IN RFB nº 1986/2020, prevê a possibilidade de retenção para análise e apuração de irregularidades, mas a demora na resolução desses casos transfere frequentemente o ônus econômico ao operador privado.


Este artigo analisa a responsabilidade da União em indenizar os depositários alfandegados pelos custos de armazenagem, não apenas após a aplicação da pena de perdimento, mas desde a instauração do procedimento de fiscalização. Baseamos nossa análise na legislação vigente, na jurisprudência e nos princípios constitucionais aplicáveis.


1. A Retenção de Mercadorias e os Procedimentos Aduaneiros


A IN RFB nº 1986/2020 regula o tratamento das mercadorias retidas em casos de irregularidades aduaneiras, estabelecendo o seguinte:


  • Prazo Máximo: 60 dias, prorrogáveis por mais 60, totalizando 120 dias (art. 11, caput).

  • Suspensão do Prazo: A contagem é paralisada a partir da intimação do importador ou interveniente até o atendimento integral (art. 11, parágrafo único).


Na prática, porém, a suspensão dos prazos permite que as mercadorias permaneçam retidas por períodos muito superiores a 120 dias, especialmente em casos complexos de suspeita de fraude, interposição fraudulenta ou omissão de informações essenciais. Há casos de mais de um ano de retenção.


A demora resulta em custos acumulados para o depositário, que precisa garantir a integridade das mercadorias sob sua guarda. Esse impacto é amplificado em recintos alfandegados que operam tanques de armazenamento, como os destinados a combustíveis, onde as despesas de manutenção e segurança são elevadas.


2. O Marco Temporal da Responsabilidade da União


A União assume tradicionalmente a responsabilidade pelo pagamento de tarifas de armazenagem após a decretação da pena de perdimento (art. 31 do Decreto-Lei nº 1.455/76). Contudo, a aplicação desse marco desconsidera que, desde a instauração do procedimento fiscal, o depositário já está fornecendo um serviço essencial à fiscalização aduaneira, imposto por exigências legais e regulatórias.


2.1. O Serviço Prestado ao Interesse Público


O armazenamento de mercadorias retidas não é uma atividade opcional para o depositário alfandegado; trata-se de uma obrigação imposta pela Receita Federal, vinculada diretamente ao exercício do poder de polícia aduaneira. Assim, o serviço prestado beneficia diretamente a União e não o importador/exportador.


2.2. Enriquecimento Sem Causa


A manutenção prolongada de mercadorias retidas sem pagamento constitui enriquecimento sem causa da União, vedado pelo art. 884 do Código Civil. O depositário é obrigado a arcar com os custos de armazenagem e manutenção, enquanto a Receita Federal utiliza a infraestrutura para viabilizar seus procedimentos de fiscalização.


3. Fundamentos Jurídicos para a Indenização Desde a Retenção


3.1. Art. 31 do Decreto-Lei nº 1.455/76


Este dispositivo prevê que a Receita Federal deve indenizar o depositário pelas tarifas de armazenagem de mercadorias retidas, com recursos do FUNDAF, até que sejam removidas ou recebam destinação final. Embora tradicionalmente aplicado após o perdimento, sua interpretação deve ser ampliada para incluir o período da retenção.


3.2. Princípios Constitucionais


Os princípios da proporcionalidade, razoabilidade e eficiência (art. 37 da CF) exigem que a União assuma os custos associados às suas ações administrativas, especialmente quando estas impõem ônus desproporcional a terceiros.


3.3. Jurisprudência


Casos como o REsp 2057391 (STJ) reforçam o entendimento de que a União é responsável por indenizar o depositário, reconhecendo o vínculo jurídico decorrente da legislação aduaneira. Embora esse precedente trate de abandono, o mesmo raciocínio pode ser aplicado em casos de retenção por fraude.


4. Propostas de Aplicação Prática


4.1. Reconhecimento da Responsabilidade da União


A União deve ser responsabilizada pelo pagamento das tarifas de armazenagem desde a instauração do procedimento de fiscalização, considerando que a retenção é uma imposição legal que beneficia exclusivamente o interesse público.


4.2. Pagamento Antecipado


Uma medida prática seria a criação de um mecanismo para o pagamento antecipado das tarifas ao depositário com recursos do FUNDAF, reduzindo a judicialização e garantindo a continuidade operacional dos recintos alfandegados.


4.3. Limitação do Prazo de Retenção


A Receita Federal deve respeitar os prazos estabelecidos na IN RFB nº 1986/2020, evitando retenções indefinidas que oneram os depositários de forma excessiva. Entendo que prazo de 120 dias é exagerado.


5. Conclusão


Os procedimentos de combate às fraudes aduaneiras são indispensáveis para a proteção do comércio exterior e da arrecadação tributária. Contudo, esses procedimentos não podem transferir os custos do poder de polícia aduaneira aos depositários alfandegados, especialmente em casos de retenções prolongadas.


A União tem o dever legal e constitucional de indenizar os depositários pelos serviços prestados desde a retenção das mercadorias, utilizando os recursos do FUNDAF para evitar o enriquecimento sem causa e garantir a sustentabilidade dos recintos alfandegados. Apenas assim será possível equilibrar as responsabilidades e assegurar a eficiência do sistema aduaneiro.


Rogerio Zarattini Chebabi

OAB/SP 175.402

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