top of page

O Auditor Fiscal da Receita Federal não é Chefe do Despachante Aduaneiro




Reflexão sobre a Profissão, Independência e a Necessidade de Regulamentação.


A relação entre o auditor fiscal da Receita Federal do Brasil e o despachante aduaneiro é frequentemente mal compreendida. Não raramente, despachantes aduaneiros encontram-se em situações nas quais se sentem subjugados à autoridade do auditor fiscal, como se este fosse seu superior hierárquico.


Esse equívoco, muitas vezes sustentado por um comportamento de deferência excessiva, é desnecessário e contraria os princípios fundamentais da profissão de despachante aduaneiro. Para esclarecer essa dinâmica, é crucial examinar a legislação e refletir sobre o verdadeiro papel do despachante aduaneiro no contexto do comércio exterior e a necessidade urgente de regulamentação adequada da profissão.


A Independência do Despachante Aduaneiro


O despachante aduaneiro não é, de forma alguma, subordinado ao auditor fiscal. A legislação brasileira, especialmente o Regulamento Aduaneiro (Decreto nº 6.759/2009) e o Decreto-Lei nº 37/1966, é clara ao definir que as funções do auditor fiscal são de fiscalização, controle e aplicação da legislação tributária e aduaneira. Por outro lado, o despachante aduaneiro, como agente de comércio exterior, desempenha um serviço especializado, prestando assistência técnica aos importadores e exportadores, sempre em conformidade com as leis e regulamentos.


O artigo 15 do Regulamento Aduaneiro estabelece que a administração aduaneira, sob responsabilidade da Receita Federal, compreende a fiscalização e o controle sobre as operações de comércio exterior, mas não dispõe sobre uma relação de subordinação entre o auditor e o despachante​. O despachante aduaneiro atua como um profissional autônomo, sujeito à supervisão da Receita Federal, mas não sob a autoridade direta ou hierárquica de seus auditores.


Deferência Excessiva: Um Comportamento Desnecessário


Infelizmente, alguns despachantes aduaneiros adotam a postura de deferência excessiva perante os auditores fiscais (como, por exemplo, chamar o fiscal de “Chefe”), motivados por receio ou desejo de evitar conflitos. Esse comportamento, embora muitas vezes bem-intencionado, não é necessário e pode prejudicar a imagem de independência que a profissão deve sustentar. A deferência excessiva não só desvaloriza a posição do despachante aduaneiro, como também pode criar um ambiente informal e desnecessário nas relações com o fisco.


De acordo com a legislação, o despachante aduaneiro é um prestador de serviço que exerce funções de grande relevância no comércio exterior, e sua atuação deve ser pautada pela independência e profissionalismo. O artigo 28 do Decreto-Lei nº 4.014/42 deixa claro que, embora o despachante aduaneiro esteja sujeito a leis e regulamentos fiscais, ele não ocupa posição subordinada dentro da estrutura pública​.


O Múnus Público do Despachante Aduaneiro


O despachante aduaneiro exerce um múnus público, ou seja, suas funções envolvem o interesse público, mas isso não o transforma em servidor público, tampouco o subordina aos auditores fiscais​. Ele é, na verdade, um representante do importador ou exportador, cujas atividades são reguladas pelo direito administrativo e fiscal, mas com total independência profissional.


Além disso, as relações entre despachantes aduaneiros e auditores fiscais não podem ser pautadas por hierarquias imaginárias. O despachante é um especialista no processo de despacho aduaneiro, responsável por garantir que a documentação, as declarações e os procedimentos estejam em conformidade com a legislação. A função do auditor é verificar essa conformidade, não exercer autoridade sobre o despachante.


A Urgência de uma Lei para Regulamentar a Profissão de Despachante Aduaneiro


Embora o despachante aduaneiro desempenhe um papel crucial no comércio exterior brasileiro, a profissão carece de uma regulamentação legal robusta e específica. Atualmente, a atuação do despachante aduaneiro é regulada por decretos e instruções normativas, mas não há uma lei formal que estabeleça claramente os direitos, deveres, qualificações e limitações da profissão. Essa ausência legislativa traz incertezas para os profissionais e pode levar a interpretações errôneas sobre suas funções e responsabilidades.


A falta de uma regulamentação formal também afeta a segurança jurídica do exercício da profissão, tanto para os próprios despachantes quanto para seus clientes e os órgãos fiscalizadores. É fundamental que uma lei específica seja criada, a fim de garantir que as regras que regem a atividade sejam claras, transparentes e justas. A criação de uma lei que defina claramente os requisitos para o exercício da profissão, assim como os direitos e deveres dos despachantes, promoverá maior respeito e reconhecimento pela atividade, além de proteger tanto o despachante quanto os interesses da administração pública.


No momento, as exigências para o exercício da profissão são determinadas por instruções normativas, como a Instrução Normativa RFB nº 1.209/2011, que estabelece procedimentos para a inscrição e atuação dos despachantes aduaneiros. Entretanto, conforme já mencionado em decisões judiciais, normas infralegais não podem substituir a função legislativa quando se trata de definir as bases de uma profissão, o que é garantido pela Constituição Federal​.


Fixação de Honorários Mínimos para Despachantes Aduaneiros


Outro ponto importante que deve ser considerado no contexto da regulamentação da profissão é a necessidade de se estabelecer valores mínimos para os honorários dos despachantes aduaneiros. Assim como ocorre com os honorários do assistente técnico da Receita Federal, comumente conhecido como o engenheiro da Receita, que têm seus valores definidos por instrução normativa, o mesmo deve ser feito para os despachantes aduaneiros. A ausência de uma tabela mínima de honorários pode resultar em práticas predatórias no mercado, desvalorizando a profissão e afetando a qualidade dos serviços prestados.


A criação de uma tabela de honorários mínimos, regulamentada por instrução normativa ou por uma lei específica, ajudaria a garantir uma remuneração justa para os profissionais, assegurando a qualidade dos serviços prestados e a continuidade de um atendimento técnico e especializado. Isso traria mais equilíbrio ao mercado, além de promover o reconhecimento da importância do despachante aduaneiro no comércio exterior.


Conclusão


Portanto, além de não se sujeitar a comportamentos de deferência excessiva em relação aos auditores fiscais, o despachante aduaneiro deve buscar, por meio de suas entidades representativas, a aprovação de uma lei que regulamente formalmente a profissão. A hierarquia que existe entre o despachante e o auditor fiscal é meramente funcional, e o despachante continua sendo um agente autônomo, independente e indispensável para o comércio exterior brasileiro.


A regulamentação adequada da profissão traria mais segurança para todos os envolvidos no processo aduaneiro e reforçaria o papel fundamental dos despachantes aduaneiros na facilitação do comércio internacional. Além disso, a criação de uma tabela de honorários mínimos por meio de instrução normativa seria um passo importante para assegurar o valor justo e adequado aos serviços prestados por esses profissionais. A dignidade da profissão deve ser preservada, e a relação entre despachante e auditor fiscal deve ser baseada no respeito mútuo, clareza de papéis e na segurança jurídica proporcionada por uma legislação própria e moderna.


Rogerio Zarattini Chebabi

OAB/SP 175.402

Comments


Posts Em Destaque
Posts Recentes
bottom of page