O cancelamento da habilitação no comércio exterior por revelia em processo administrativo fiscalizatório
Introdução
A crescente digitalização dos processos administrativos e a intensificação da fiscalização no comércio exterior têm levantado debates sobre a segurança jurídica e a proporcionalidade das sanções aplicadas em casos de revelia do contribuinte. O presente artigo analisa um caso concreto em que a empresa XYZ teve sua habilitação para operar no comércio exterior cancelada devido à revelia em um processo administrativo fiscalizatório, mesmo sem qualquer indício de dolo ou má-fé.
O caso da empresa XYZ
A XYZ, empresa atuante no comércio exterior, teve sua habilitação para operar no comércio exterior cancelada pela Receita Federal. O cancelamento foi motivado pela revelia da empresa em um processo administrativo de revisão aduaneira, instaurado pela Alfândega da Receita Federal em Porto Alegre.
A empresa alega que não tomou conhecimento do processo administrativo, pois as intimações foram acessadas por empresas de contabilidade contratadas, que não informaram a XYZ sobre a existência do procedimento.
A Receita Federal, por sua vez, fundamentou o cancelamento na prática de "ato que embarace, dificulte ou impeça a ação de fiscalização aduaneira", nos termos do art. 76, inciso III, alínea "d" da Lei nº 10.833/2003.
A problemática da revelia nos processos administrativos
A revelia, ou seja, a ausência de manifestação do contribuinte em um processo administrativo, pode acarretar graves consequências, como a aplicação de multas e o cancelamento de registros e autorizações. No entanto, a aplicação automática de sanções em casos de revelia, sem a devida análise das circunstâncias e da intenção do contribuinte, pode levar a situações de injustiça e desproporcionalidade.
No caso da XYZ, a empresa argumenta que a revelia não foi intencional e que não houve qualquer prejuízo à ação fiscalizatória da Receita Federal. A empresa destaca que a Receita Federal lavrou auto de infração e cobrou o crédito tributário sem a necessidade de qualquer colaboração da XYZ, demonstrando que a revelia não embaraçou a fiscalização.
A necessidade de comprovação do dolo e do elemento subjetivo
A jurisprudência tem se posicionado no sentido de que a aplicação da sanção de cancelamento da habilitação para operar no comércio exterior, com base no art. 76, inciso III, alínea "d" da Lei nº 10.833/2003, exige a comprovação do dolo do contribuinte e do elemento subjetivo específico, consistente na finalidade de obter benefício para si ou para terceiros.
No caso em análise, a XYZ sustenta que não houve dolo ou intenção de embaraçar a fiscalização aduaneira, e que a revelia ocorreu por falha de comunicação das empresas de contabilidade contratadas. A empresa argumenta ainda que a ausência de prejuízo à ação fiscalizatória reforça a inexistência de dolo ou má-fé.
O rigor da Instrução Normativa RFB nº 1.984/2020
Além da problemática da revelia, o caso da XYZ também evidencia o rigor da Instrução Normativa RFB nº 1.984/2020, que prevê o cancelamento da habilitação do contribuinte em caso de aplicação da sanção de cancelamento ou cassação, nos termos do inciso III do caput do art. 76 da Lei nº 10.833/2003 (art. 53 da IN RFB nº 1.984/2020).
Essa norma ainda estabelece um período de dois anos para que o contribuinte possa apresentar novo requerimento de habilitação, o que pode representar um obstáculo significativo para a continuidade das atividades empresariais que dependem da importação e exportação de mercadorias.
Conclusão
O caso da XYZ evidencia a necessidade de uma análise criteriosa e individualizada das circunstâncias em casos de revelia em processos administrativos fiscais, especialmente no âmbito do comércio exterior. A aplicação automática de sanções, sem a devida consideração da intenção do contribuinte e da efetiva ocorrência de prejuízo à ação fiscalizatória, pode levar a situações de injustiça e desproporcionalidade, comprometendo a segurança jurídica e o princípio da razoabilidade.
A aplicação de sanções deve ser precedida de uma análise cuidadosa das circunstâncias do caso concreto, buscando a proporcionalidade entre a conduta do contribuinte e a sanção aplicada, e considerando as particularidades do comércio exterior e o impacto das sanções na atividade empresarial.
Rogerio Zarattini Chebabi
Advogado - OAB/SP 175.402
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