Demurrage: Como agir com base na recente decisão do TJ-SP

DEMURRAGE E A NOVA DECISÃO DO TJ-SP
A cobrança de demurrage ou sobreestadia de contêineres no comércio exterior tem sido um tema amplamente debatido no âmbito jurídico, principalmente em razão da crescente judicialização dessas demandas por importadores que alegam a ilegalidade dessas cobranças em determinados contextos. A jurisprudência recente do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP) tem o entendimento de que não se pode impor ao importador a responsabilidade pelo pagamento da demurrage quando a retenção do contêiner decorre de atos da Receita Federal, sem que tenha havido qualquer contribuição por parte do consignatário para o atraso na devolução do equipamento. Assim:
(...)
No mais, há justa causa para o atraso.
A autoridade alfandegária pode as vezes reter as mercadorias para análise e isso faz com que contêiner fique retido e sua devolução ultrapasse o prazo ajustado, o que não implica em carrear ao importador, consignatário ou ao proprietário do navio, a responsabilidade pelas estadias que ultrapassarem o prazo contratual.
Realmente esse obstáculo que é imprevisível, uma vez que a Receita é que faz a escolha de forma subjetiva, não pode gerar despesas ao consignatário, sobretudo quando se trata de comerciante ou empresa de pequeno porte, que fatalmente não suportaria absorver o valor cobrado.
(...)
Ação de cobrança julgada procedente - Transporte internacional - Devolução intempestiva de container - Cobrança de sobreestadia - Nulidade da sentença não verificada - Presença dos requisitos do art. 489 do CPC/2015 - Prova documental suficiente para análise segura das questões debatidas nos autos - Cerceamento de defesa inocorrente - Aptidão da exordial reconhecida - Aplicação do art. 53, inciso III, alínea “d”, do CPC - Incompetência territorial inocorrente - Autora que atuou como transportadora marítima e ré como consignatária das cargas - Legitimidade ativa e passiva mantidas - Relação de caráter nitidamente comercial - Inaplicabilidade do CDC - Conhecimento marítimo emitido em nome da ré Sobrestadia, todavia, indevida em decorrência da retenção dos contêineres pela Receita Federal Ação improcedente Recurso provido - Apelação nº 1017296-83.2020.8.26.0562 - TJ SP
Dessa forma, surge a possibilidade de contestação judicial dessas cobranças, especialmente quando a retenção da carga ocorre por fatores alheios à vontade do importador, como fiscalizações aduaneiras prolongadas, exigências documentais adicionais e outros procedimentos alfandegários. E olhem que o caso julgado trata-se de procedimento especial hoje chamado de "combate às fraudes aduaneiras".
O fundamento principal dessa decisão é que não se pode transferir ao importador um ônus financeiro decorrente de um evento imprevisível e alheio à sua vontade. A retenção da carga pelo Fisco não é uma escolha do importador, mas sim uma decisão administrativa, que muitas vezes ocorre sem critérios objetivos e sem qualquer possibilidade de contestação prévia.
Além disso, a autoridade alfandegária pode reter mercadorias para análise, e isso faz com que o contêiner permaneça no terminal além do prazo contratual. Esse obstáculo é imprevisível e decorre de decisão exclusiva da Receita Federal, sem qualquer controle por parte do importador.
Dessa forma, não se pode exigir do importador o pagamento de demurrage pelo tempo em que a carga permaneceu sob custódia do próprio Estado. Esse entendimento se baseia no princípio do fato do príncipe, pelo qual a intervenção estatal inesperada exonera o particular da obrigação de cumprir com determinada prestação contratual.
A CONTESTAÇÃO JUDICIAL DA COBRANÇA DE DEMURRAGE
O importador que receber uma cobrança de demurrage indevida pode recorrer ao Poder Judiciário para discutir a legalidade da exigência.
Ele pode pagar para evitar o apontamento em órgãos de restrição de crédito e pedir de volta depois o valor pago, ou simplesmente ajuizar ação para não pagar a sobrestadia cobrada, antes de ser demandado judicialmente.
O ingresso da ação judicial possibilita ao importador aguardar o seu desfecho antes de realizar qualquer pagamento, evitando a oneração imediata do fluxo de caixa da empresa. Contudo, deve-se considerar que, por se tratar de procedimento comum, há risco de sucumbência caso a ação seja julgada improcedente e é possível ter que depositar em juízo o valor cobrado.
Os principais argumentos que fundamentam a contestação da cobrança incluem:
Fato do príncipe e caso fortuito: O atraso na devolução decorreu de ato exclusivo da Receita Federal, alheio à vontade do importador.
Ausência de culpa do importador: A demora na liberação da carga não foi provocada pelo consignatário, mas sim por entraves burocráticos do próprio Poder Público.
Precedente do TJSP: Decisão favorável já reconheceu que a cobrança de demurrage nesses casos é indevida.
Transferência indevida do risco da operação: O risco da atividade portuária e alfandegária não pode ser integralmente repassado ao importador.
Dessa forma, a análise individualizada de cada caso e a utilização dos precedentes favoráveis são fundamentais para a defesa dos direitos dos importadores frente a cobranças abusivas de demurrage e sobreestadia.
Rogerio Zarattini Chebabi
OAB/SP 175.402
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