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A Inconstitucionalidade da Exigência de Exame de Qualificação para tornar-se Despachante Aduaneiro

Uma Análise Crítica à Luz da Legislação e Jurisprudência




Introdução: A Importância da Profissão de Despachante Aduaneiro e sua Regulamentação


O comércio exterior desempenha um papel fundamental na economia brasileira, impulsionando o crescimento e a integração do país no cenário global. Nesse contexto, a figura do despachante aduaneiro emerge como um elo essencial na cadeia logística, atuando como representante legal de importadores e exportadores perante a administração aduaneira. Sua expertise e conhecimento técnico são indispensáveis para garantir a conformidade das operações de comércio exterior com a legislação aduaneira, agilizando o desembaraço de mercadorias e contribuindo para a fluidez do comércio internacional.


A atividade de despachante aduaneiro, embora exercida por particulares, reveste-se de natureza pública, sujeitando-se a um conjunto de regulamentações e restrições específicas.


A Instrução Normativa da Receita Federal do Brasil (RFB) nº 1.209/2011, com base no Decreto-Lei nº 2.472/1988 e no Regulamento Aduaneiro (Decreto 6.759/2009), estabelece os requisitos para o exercício da profissão de despachante aduaneiro. Dentre esses requisitos, destacam-se a aprovação em exame de qualificação técnica e a experiência prévia como ajudante de despachante aduaneiro. No entanto, a constitucionalidade dessas exigências tem sido objeto de intensos debates jurídicos, especialmente no que tange ao princípio da livre iniciativa profissional, garantido pela Constituição Federal.


O Caso em Análise: A Busca pela Inscrição como Despachante Aduaneiro


O presente artigo se debruça sobre um caso concreto em que um empresário, com vasta experiência em comércio exterior, almeja tornar-se despachante aduaneiro, mas se depara com as exigências da Instrução Normativa RFB nº 1.209/2011. A problemática reside na imposição de requisitos que, em tese, restringem o acesso à profissão, suscitando questionamentos sobre a sua compatibilidade com a ordem constitucional vigente. O empresário, amparado pelo princípio da livre iniciativa, busca o reconhecimento de seu direito à inscrição no Registro de Despachantes Aduaneiros, independentemente da aprovação no exame de qualificação técnica e da comprovação de experiência prévia como ajudante.


Argumentos de Inconstitucionalidade: A Colisão entre a Regulamentação e os Princípios Constitucionais


A Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso XIII, garante o livre exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer. Essa norma consagra o princípio da livre iniciativa profissional, fundamental para assegurar a liberdade de escolha e exercício de atividades econômicas, desde que observadas as qualificações estabelecidas em lei. No caso dos despachantes aduaneiros, a imposição de requisitos por meio de Instrução Normativa e Decreto, e não por lei em sentido formal, configura potencial violação ao princípio da reserva legal. A Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso II, estabelece que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei. Portanto, somente a lei, emanada do Poder Legislativo, possui legitimidade para criar obrigações e qualificações profissionais.  


Ademais, a exigência de aprovação em exame de qualificação técnica, sem previsão em lei, também pode ser interpretada como contrária ao artigo 37, inciso I, da Constituição Federal. Esse dispositivo estabelece que os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros que preencham os requisitos estabelecidos em lei. Embora os despachantes aduaneiros não sejam servidores públicos em sentido estrito, exercem múnus público e, portanto, estão sujeitos ao regime jurídico-administrativo. A imposição de requisitos para o acesso a essa atividade, sem a devida previsão legal, pode ser considerada uma restrição indevida ao livre exercício profissional.


Jurisprudência: A Tendência à Inconstitucionalidade da Exigência


A jurisprudência dos Tribunais Regionais Federais tem se mostrado sensível à problemática da exigência de exame de qualificação técnica para o exercício da profissão de despachante aduaneiro. Diversos acórdãos recentes, especialmente do TRF da 3ª Região, têm afastado essa exigência, permitindo a inscrição de profissionais que preencham os demais requisitos legais, mesmo sem a aprovação no exame e serem ajudantes de despachante.


TRF-3 - APELAÇÃO CÍVEL: AC 50031196020184036133 SP 0050031-19.2018.4.03.6133: Nesse julgado, o Tribunal reconheceu que a exigência de exame de qualificação técnica, prevista no Decreto nº 6.759/2009 e na IN RFB nº 1.209/2011, ofende o princípio da reserva legal, uma vez que não há lei que estabeleça tal requisito.


TRF-3 - REMESSA NECESSÁRIA CÍVEL: 50005496120224036004 SP 0050054-96.2022.4.03.6004: O Tribunal, neste caso, reiterou o entendimento de que a exigência de aprovação em exame de qualificação técnica para o exercício da profissão de despachante aduaneiro, imposta por meio de decreto e instrução normativa, é inconstitucional, por violar o princípio da reserva legal.


TRF-3 - APELAÇÃO CÍVEL: AC 50334017820214036100 SP 0050334-01.2021.4.03.6100: Neste acórdão, o Tribunal destacou que a Constituição Federal garante o livre exercício profissional, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer, e que qualquer restrição a esse direito somente pode ser imposta por lei em sentido formal.


TRF 3ª Região, PRIMEIRA TURMA, ApReeNec - APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA - 205312 - 0037977-11.1998.4.03.6100, Rel. JUIZ CONVOCADO LEONEL FERREIRA, julgado em 24/11/2011, e-DJF3 Judicial 1 DATA:10/02/2012: O Tribunal, neste precedente, afirmou que a delegação conferida ao Poder Executivo pelo § 3º do art. 5º do Decreto-lei 2.472/88, para dispor sobre a investidura na função de despachante aduaneiro, não foi recepcionada pela Constituição de 1988.


TRF 3ª Região, 4ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 0022116-48.1999.4.03.6100, Rel. Desembargador Federal ANDRE NABARRETE NETO, julgado em 09/11/2020, e - DJF3 Judicial 1 DATA: 12/11/2020: Neste julgado, o Tribunal reiterou a inconstitucionalidade da exigência de exame de qualificação técnica para o exercício da profissão de despachante aduaneiro, ressaltando que somente a lei pode estabelecer requisitos para o exercício profissional.


Essa tendência jurisprudencial reforça a tese da inconstitucionalidade da exigência, evidenciando a necessidade de sua revisão legislativa.


Conclusão: Em Busca de uma Regulamentação Constitucional e Efetiva


Diante do exposto, a exigência de aprovação em exame de qualificação técnica e de experiência prévia como ajudante de despachante aduaneiro, imposta por meio de Instrução Normativa e Decreto, mostra-se incompatível com os princípios constitucionais da livre iniciativa e da reserva legal.


A Constituição Federal garante a liberdade de exercício profissional, desde que observadas as qualificações estabelecidas em lei, e não por atos normativos infralegais. A jurisprudência, por sua vez, tem se posicionado no sentido de reconhecer a inconstitucionalidade dessa exigência, reforçando a necessidade de sua adequação à ordem constitucional vigente.


É imperativo que o legislador promova uma revisão da legislação pertinente, estabelecendo, de forma clara e precisa, os requisitos para o exercício da profissão de despachante aduaneiro, em consonância com os princípios constitucionais da livre iniciativa e da reserva legal. Afinal, a garantia do livre exercício profissional, com a devida regulamentação legal, é essencial para o desenvolvimento econômico e social do país, fomentando a competitividade e a eficiência; e isso não se dará sequer através de Decreto Lei, mas somente por Lei Ordinária.


Rogerio Zarattini Chebabi

Advogado - OAB/SP 175.402

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