A Regulamentação da Profissão de Despachante Aduaneiro: Análise do Projeto de Lei e Parecer do Relator
A regulamentação da profissão de despachante aduaneiro no Brasil é tema que vem suscitando debates acalorados, especialmente à luz do Projeto de Lei nº 4.814/2019, de autoria do Deputado Mauro Nazif, e o recente parecer apresentado pelo Deputado Alencar Santana na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC).
Esse projeto visa, de modo geral, regulamentar o exercício das profissões de despachante aduaneiro e ajudante de despachante aduaneiro em todo o território nacional. No entanto, há aspectos importantes a serem considerados no texto e no parecer do relator, em especial no que se refere ao princípio da reserva legal e à validade dos requisitos para ingresso na profissão.
O Parecer do Relator e os Problemas do Projeto de Lei
O Deputado Alencar Santana, relator do Projeto de Lei, emitiu parecer que analisa a constitucionalidade, juridicidade e técnica legislativa da proposta. O relator destacou a relevância da regulamentação da profissão, especialmente diante das especificidades e dos riscos que envolvem o comércio exterior brasileiro.
Em sua análise, o relator apontou para a conveniência de manter a regulamentação no âmbito do Decreto-Lei nº 2.472/1988, que é a base para a atual regulação da carreira. Contudo, essa escolha traz à tona várias questões quanto à constitucionalidade e validade do modelo de regulamentação proposto.
Um dos pontos mais problemáticos é a manutenção da regulamentação em um decreto-lei anterior à Constituição de 1988. Tal medida representa um entrave à plena legalidade da profissão, considerando que as normativas atuais exigem que as profissões regulamentadas sejam disciplinadas por lei ordinária ou complementar, obedecendo ao princípio da reserva legal previsto no art. 5º, XIII, da Constituição Federal.
Dessa forma, a manutenção da regulamentação no Decreto-Lei nº 2.472/1988 configura uma afronta direta ao preceito constitucional. Ou seja, o projeto de lei está fraco. O correto seria regulamentar a profissão dentro de uma nova LEI.
Princípio da Reserva Legal e Inconstitucionalidade da Regulamentação
O art. 5º, XIII, da Constituição Federal é claro ao garantir que "é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer". Este dispositivo consagra o princípio da reserva legal, segundo o qual é necessário que a regulamentação de atividades profissionais seja feita mediante lei formal.
No entanto, o Decreto-Lei nº 2.472/1988 delega ao Poder Executivo a regulamentação da forma de investidura na função de despachante aduaneiro, criando uma brecha que fere diretamente esse princípio. Essa delegação é inaceitável em um Estado Democrático de Direito, pois permite que a Administração pública estabeleça obrigações e restrições que somente deveriam ser impostas por lei.
A manutenção da profissão de despachante aduaneiro dentro de um decreto-lei anterior à Constituição de 1988 torna a regulamentação da carreira inconstitucional, uma vez que não está devidamente amparada por uma legislação formal que atenda aos preceitos do princípio da reserva legal. Isso implica que, mesmo com a conversão do Projeto de Lei em emenda ao Decreto-Lei, o problema da ausência de uma base legal adequada não será resolvido.
Na prática, o projeto se revela inócuo e incapaz de trazer efetividade à regulamentação da profissão, permanecendo a vulnerabilidade constitucional da regulamentação existente.
Insegurança Jurídica e Possibilidade de Impugnação Judicial
A manutenção da regulamentação da profissão de despachante aduaneiro no Decreto-Lei nº 2.472/1988 cria uma situação de insegurança jurídica que fragiliza a própria profissão. Isso ocorre porque as normas que atualmente regulamentam a carreira não possuem a força legal necessária para criar direitos e deveres no âmbito do exercício profissional.
Dessa forma, a profissão de despachante aduaneiro, na verdade, não está legalmente regulamentada, e a exigência de requisitos como o exame de qualificação continua sendo passível de questionamento judicial, tanto por sua origem em norma infralegal quanto pela falta de previsão expressa em uma lei formal.
Ademais, a continuação dessa regulamentação em um decreto-lei obsoleto limita a liberdade profissional e o direito ao trabalho garantido constitucionalmente.
Jurisprudência do TRF3, demonstra que as exigências de qualificação criadas sem base em uma lei formal têm sido afastadas pelo Judiciário, em reconhecimento ao princípio da reserva legal. Portanto, é possível afirmar que tanto a regulamentação da profissão quanto a exigência de qualificações podem ser atacadas judicialmente, com boas chances de êxito, considerando os vícios de inconstitucionalidade.
Conclusão: Necessidade de Mudança Legislativa
A regulamentação da profissão de despachante aduaneiro demanda uma lei formal que respeite o princípio da reserva legal e que seja adequada aos preceitos constitucionais vigentes. A manutenção dessa regulamentação em um decreto-lei anterior à Constituição e a delegação de poderes ao Executivo para definir os requisitos de qualificação técnica são incompatíveis com o ordenamento jurídico atual, trazendo insegurança e limitações indevidas ao livre exercício da profissão.
Portanto, é necessário que o Congresso Nacional aprove uma legislação específica, que estabeleça de forma clara os requisitos para o exercício da profissão de despachante aduaneiro, garantindo segurança jurídica e respeito à Constituição. Até que essa legislação seja aprovada, qualquer tentativa de regulamentação baseada em um decreto-lei de 1988 será inócua, uma vez que não resolve o problema fundamental de ausência de base legal compatível com os princípios constitucionais vigentes.
Rogerio Chebabi
OAB/SP 175.402
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