Ex-tarifário e a evolução do conceito de produção nacional equivalente
Artigo publicado no site Consultor Jurídico - CONJUR, em11/10/2024
Autor: Rogerio Chebabi
Introdução
O regime de Ex-tarifário no Brasil é uma política que tem como objetivo incentivar o investimento produtivo e o acesso a bens de capital (BK) e de informática e telecomunicações (BIT) que não possuem produção nacional equivalente. Desde sua criação, esse regime tem desempenhado um papel importante na modernização de diversos setores da economia, ao permitir que empresas brasileiras importem máquinas e equipamentos de última geração com alíquotas reduzidas ou isentas de imposto de importação.
Entretanto, a questão da produção nacional equivalente sempre foi um ponto crucial para a concessão desse benefício. Esse conceito define se o bem a ser importado possui ou não um substituto produzido no Brasil com capacidade para desempenhar a mesma função. Ao longo dos anos, o conceito de produção nacional passou por modificações significativas nas normativas que regulam o Ex-tarifário, culminando na Resolução Gecex nº 512/2023, que trouxe um enfoque mais simples e favorável às empresas nacionais.
Este artigo examina as mudanças no conceito de produção nacional ao longo das normas anteriores, incluindo as resoluções Camex e as portarias do Ministério da Economia, e como a Resolução Gecex nº 512/2023 alterou o cenário ao simplificar a análise de produção nacional equivalente. A discussão se concentrará em como essa mudança favoreceu as empresas nacionais ao reduzir as barreiras para contestar pedidos de Ex-tarifário, dificultando, por outro lado, a vida dos importadores.
O regime de Ex-tarifário: histórico e propósito
O regime de Ex-tarifário foi introduzido no Brasil para atender à necessidade de modernização da indústria nacional, permitindo a importação de bens de capital e tecnologia que não são fabricados no País. O principal objetivo desse regime é reduzir ou eliminar as barreiras tributárias sobre a importação desses bens, facilitando o acesso das empresas brasileiras a máquinas e equipamentos que melhoram sua produtividade e competitividade no mercado global.
A base legal para o regime de Ex-tarifário se fundamenta na Tarifa Externa Comum (TEC) do Mercosul, que define as alíquotas padrão para a importação de bens. No entanto, a concessão do Ex-tarifário depende da inexistência de produção nacional equivalente, o que significa que o bem a ser importado não pode ter substituto local que atenda às mesmas funções principais.
Além disso, no que tange ao conceito de produção nacional, a Lei nº 3.244 de 1957 também traz uma menção importante no artigo 4º. A legislação, que regula a política de importação e exportação e trata da reforma tarifária nas alfândegas, menciona que, quando a produção nacional de matéria-prima ou de qualquer outro produto de base for insuficiente para atender ao consumo interno, pode-se conceder isenção ou redução do imposto para a importação complementar. Além disso, o parágrafo 1º do artigo 4º exige a comprovação da inexistência de produção nacional ou, havendo produção, a comprovação de que essa produção é insuficiente ou inadequada para atender à demanda interna (L3244).
Embora a lei não defina formalmente o conceito de produção nacional equivalente, ela estabelece uma base sobre a necessidade de verificação da insuficiência de produção nacional, algo que ecoa nos regulamentos posteriores de Ex-tarifário. O conceito evoluiu significativamente desde a criação da lei, mas a ideia central de que a produção nacional precisa ser verificada como insuficiente ou inexistente permanece um pilar do regime de Ex-tarifário.
A evolução do conceito de produção nacional
Resolução Camex nº 17/2012
A Resolução Camex nº 17/2012 foi uma das primeiras normas a detalhar o conceito de produção nacional no contexto do regime de Ex-tarifário. De acordo com essa resolução, a análise de produção nacional envolvia uma série de etapas, incluindo consultas públicas e laudos técnicos, além de atestados fornecidos por entidades de classe representando os fabricantes nacionais. A função principal do Comitê de Análise de Ex-tarifários (CAEx) era verificar a inexistência de produção nacional por meio desses procedimentos.
O foco dessa norma estava em garantir que nenhum produto fabricado no Brasil pudesse ser considerado equivalente ao bem importado, levando em conta diversos critérios técnicos e econômicos. O processo de contestação por parte das empresas nacionais era mais demorado e burocrático, exigindo a apresentação de documentação técnica e econômica detalhada.
Resolução Camex nº 66/2014
Com a Resolução Camex nº 66/2014, o conceito de produção nacional foi refinado para incluir uma análise mais robusta dos critérios de equivalência. A resolução estabeleceu que a produção nacional seria considerada equivalente se o bem produzido no Brasil tivesse desempenho e produtividade semelhantes ou superiores aos do bem importado. Além disso, a norma introduziu critérios adicionais, como preço e prazo de entrega, que poderiam ser utilizados para contestar pedidos de Ex-tarifário.
Esses critérios criaram um equilíbrio entre proteger a indústria nacional e garantir que os importadores tivessem acesso a bens que realmente não fossem produzidos no Brasil. Se uma empresa nacional conseguisse demonstrar que seu produto atendia a esses critérios, o Ex-tarifário poderia ser negado ao importador, mesmo que o produto nacional tivesse pequenas diferenças em relação ao bem importado.
As Portarias ME nº 309/2019 e 324/2019: o primeiro passo para a simplificação
Com as Portarias ME nº 309/2019 e 324/2019, houve uma simplificação inicial no processo de análise de produção nacional equivalente. Essas normas mantiveram os critérios de desempenho, produtividade, preço e prazo de entrega, mas estabeleceram uma ordem sequencial para a análise desses fatores. O processo começava com a análise de desempenho e produtividade, e apenas se esses critérios fossem atendidos é que a análise passaria para os outros fatores, como preço e prazo de entrega.
Essa simplificação favoreceu, em certa medida, as empresas nacionais, pois reduziu a complexidade das contestações. Por outro lado, os importadores ainda tinham a oportunidade de demonstrar que, mesmo que o bem nacional atendesse ao critério de desempenho, ele não poderia competir em termos de preço ou prazo de entrega, o que lhes garantia certa proteção.
Resolução Gecex nº 512/2023: a simplificação final injusta
A grande mudança no conceito de produção nacional veio com a publicação da Resolução Gecex nº 512/2023, que simplificou ainda mais o processo de verificação de produção nacional equivalente. A nova norma trouxe um enfoque quase exclusivo na função essencial do bem, o que significa que um produto nacional será considerado equivalente se ele executar as funções principais do bem a ser importado, independentemente de características secundárias como design, marca, facilidade de manutenção ou outros aspectos.
Essa simplificação favorece amplamente as empresas nacionais, pois elas agora precisam apenas demonstrar que seu produto realiza a função principal do bem importado, sem necessidade de apresentar uma análise detalhada de fatores como preço ou prazo de entrega. Isso torna mais fácil para as empresas nacionais contestarem os pedidos de Ex-tarifário, já que o foco está apenas na funcionalidade do bem.
Por outro lado, os importadores enfrentam agora um desafio maior. Mesmo que o bem importado tenha vantagens tecnológicas ou econômicas, o pedido de Ex-tarifário pode ser negado se existir um produto nacional que execute a mesma função essencial. Isso limita o acesso de empresas brasileiras a bens de capital e tecnologia de ponta, já que o conceito de produção nacional foi simplificado ao ponto de abranger produtos que anteriormente não seriam considerados equivalentes.
Conclusão
A simplificação do conceito de produção nacional equivalente no regime de Ex-tarifário, trazida pela Resolução Gecex nº 512/2023, representa uma mudança significativa nas regras de concessão do benefício fiscal. Enquanto essa mudança favorece claramente as empresas nacionais, ao reduzir as exigências de comprovação técnica e econômica, ela também pode criar barreiras para os importadores, que agora encontram mais dificuldades para comprovar a inexistência de produção nacional equivalente.
Eu particularmente reputo o novo conceito como totalmente injusto e equivocado, que em nada protege a indústria nacional, porque os importadores irão continuar comprando bens estrangeiros muito superiores aos nacionais. A meu ver, a “jogada” do governo é apenas tornar o Imposto de Importação um tributo arrecadatório ao invés de regulatório de entrada de bens estrangeiros em nosso País.
Rogerio Zarattini Chebabi
é advogado aduaneiro, graduado pela PUC Campinas, diretor Jurídico na ADAB (Associação dos Despachantes Aduaneiros do Brasil) e sócio na Rogerio Chebabi Sociedade de Advogados.
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