As Restrições da Res. Gecex 512/2023 e o Surgimento do "Laranja Pleiteante" de Ex-Tarifário
Introdução
A exigência de um projeto de investimento, que veladamente impede a concessão do benefício para bens destinados à revenda, incentivará a criação de empresas estruturadas com o único objetivo de pleitear o ex-tarifário em nome próprio para beneficiar terceiros, estes últimos os reais interessados na redução do imposto de importação. Essas empresas provavelmente serão, inclusive, formalizadas com o CNAE adequado, como indústrias ou destinatárias finais de bens importados para uso produtivo, mesmo que não tenham intenção real de executar um projeto robusto.
Essa flexibilidade normativa cria condições para o surgimento de um novo modelo de negócio: o do "Laranja Pleiteante" de Ex-Tarifário. Empresas industriais ou destinatárias finais de bens de capital podem se especializar em protocolar pedidos de ex-tarifário em nome próprio, mas com o objetivo real de beneficiar terceiros, como importadores de bens destinados à revenda. Inclusive, provavelmente cobrarão alto por isso.
Este modelo de negócio se torna ainda mais atrativo porque:
Não há obrigação de implementação do projeto de investimento: O projeto apresentado no pleito inicial serve apenas como justificativa formal e não está sujeito à auditoria ou fiscalização posterior.
Não há penalidades previstas para a não utilização do benefício pelo pleiteante: O regime permite que qualquer importador, mesmo que não seja o pleiteante original, usufrua da redução tarifária. (Res. Gecex 512: Art. 2º A redução da alíquota do Imposto de Importação de Bens de Capital, de Informática e de Telecomunicações, bem como de suas partes, peças e componentes, sem produção nacional equivalente, assinalados na Tarifa Externa Comum - TEC como BK ou BIT, poderá ser concedida na condição de Ex-tarifário, em conformidade com os requisitos e procedimentos estabelecidos nesta Resolução. § 1º A redução de alíquotas de Imposto de Importação de que trata esta Resolução é concedida aos bens propriamente ditos, e não a requerentes determinados.)
O risco jurídico é baixo, desde que as informações técnicas e documentais apresentadas no pleito sejam verdadeiras.
Essas características tornam o regime de ex-tarifário vulnerável a uma prática que, embora tecnicamente legítima, desvia da finalidade original da Resolução Gecex nº 512/2023, que é fomentar o uso produtivo de bens de capital sem similar nacional.
Como funcionaria a nova atividade comercial?
Criação de Empresas Industriais ou Afins:
Empresas seriam constituídas com o CNAE de atividades industriais, compatível com os bens de capital para os quais se pretende pleitear o ex-tarifário.
Essas empresas se apresentariam formalmente como destinatárias finais dos bens, cumprindo os critérios aparentes do regime.
Estruturação de Projetos de Investimento:
Projetos de investimento seriam elaborados de forma genérica, apenas para atender à formalidade do pleito, mas sem compromisso de implementação.
Os projetos seriam alinhados às especificações técnicas exigidas pela Resolução, com foco em demonstrar o potencial produtivo da aquisição dos bens.
Solicitação e Publicação do Ex-Tarifário:
Após o deferimento e publicação da redução tarifária, qualquer importador interessado poderia usar o benefício, incluindo os próprios financiadores da operação, como revendedores.
Remuneração pelo Serviço:
A remuneração dessas empresas especializadas poderia incluir:
Taxas fixas pela elaboração do pleito e estruturação do projeto.
Percentuais sobre o volume de importações realizadas com base no benefício obtido.
Por que essa nova atividade possivelmente surgirá?
Demanda do Mercado por Soluções Alternativas: Importadores de bens destinados à revenda, que enfrentam restrições práticas devido à exigência de projetos de investimento, buscarão soluções indiretas. Contratar empresas industriais ou destinatárias finais para realizar os pleitos simulados será uma resposta natural a essas barreiras.
Por que não seria crime de falsidade ideológica?
No caso do regime de ex-tarifário, a apresentação de um projeto de investimento que não será implementado não configura falsidade ideológica nos termos do artigo 299 do Código Penal. Para que haja crime, é necessário que a declaração falsa ou a omissão recaia sobre um fato juridicamente relevante, alterando a verdade com o dolo específico de prejudicar direito, criar obrigação ou produzir efeitos jurídicos concretos.
No entanto, quem solicita o ex-tarifário não está legalmente obrigado a importar o bem ou a executar o projeto de investimento apresentado. Além disso, o pleiteante sequer precisa estar habilitado para atuar no comércio exterior, conforme disposto na Instrução Normativa RFB nº 1.984/2020. Tampouco existe fiscalização da capacidade financeira do pleiteante para verificar se é viável o projeto de investimento.
O projeto de investimento é uma formalidade administrativa e não possui caráter vinculativo, afastando sua relevância jurídica para fins penais. Assim, embora a prática possa ser moralmente questionável, ela não se enquadra no tipo penal de falsidade ideológica.
Não há como proibir o pleito por "empresas laranjas"
Dada a legislação vigente, não há mecanismos jurídicos que permitam ao governo proibir que empresas, inclusive as com características de "laranjas", solicitem o benefício do ex-tarifário. O regime é acessível a qualquer pessoa jurídica que cumpra os requisitos formais estabelecidos pela Resolução Gecex nº 512/2023, sem que se exija a comprovação de vínculo prévio com operações de comércio exterior ou experiência específica no setor.
Restrição a empresas novas seria ilegal
Impedir que empresas recém-criadas solicitem o ex-tarifário seria uma violação direta aos princípios constitucionais da igualdade (art. 5º, caput, da Constituição Federal) e da livre iniciativa (art. 170). A norma vigente não discrimina empresas com base em sua data de constituição, atividade pregressa, volume de operações ou capacidade financeira.
Qualquer tentativa de limitar o pleito apenas a empresas estabelecidas há mais tempo ou com histórico específico seria inconstitucional, pois criaria uma barreira injustificada ao acesso ao regime. Vejamos detalhadamente estas violaçoes e outros argumentos:
Princípio da Igualdade (art. 5º, caput, da Constituição Federal):
O princípio da igualdade exige que todas as pessoas e empresas sejam tratadas de forma isonômica pela legislação e pela administração pública. Impedir empresas recém-criadas de pleitear o ex-tarifário seria uma discriminação injustificada, criando uma distinção arbitrária entre empresas com base em um critério não previsto em lei, o que seria inconstitucional.
Princípio da Livre Iniciativa (art. 170 da Constituição Federal):
O princípio da livre iniciativa garante a liberdade econômica e o direito de constituir empresas e explorar atividades econômicas sem restrições indevidas por parte do Estado. Qualquer norma ou prática administrativa que impeça empresas novas de acessar o regime de ex-tarifário violaria diretamente esse princípio, ao criar uma barreira desnecessária ao exercício de sua atividade econômica.
Ausência de Discriminação na Legislação Vigente:
A Resolução Gecex nº 512/2023 e as normas complementares que regulamentam o ex-tarifário não estabelecem diferenciação entre empresas novas e antigas, nem exigem histórico operacional ou financeiro. Qualquer tentativa de introduzir tal restrição administrativamente ou por alteração normativa seria incompatível com o ordenamento jurídico.
Barreira Injustificada:
Impor limitações baseadas no tempo de constituição da empresa, no volume de operações ou na atividade pregressa criaria uma barreira ao acesso ao regime de ex-tarifário sem fundamentação razoável. Isso prejudicaria empresas que, mesmo recém-criadas, tenham capacidade técnica e econômica para se beneficiar do regime, resultando em uma restrição desproporcional e incompatível com os princípios constitucionais.
Conclusão
A Resolução Gecex nº 512/2023, ao restringir indiretamente o uso do ex-tarifário para bens destinados à revenda, está criando condições para o surgimento de uma nova atividade comercial estruturada em torno do pleito de ex-tarifários, baseada no conceito de "laranjas pleiteantes". Empresas serão criadas ou adaptadas para atender formalmente às exigências do regime, pleiteando benefícios que poderão ser amplamente utilizados por outros agentes econômicos.
Embora essa prática seja tecnicamente legal e lucrativa para as partes envolvidas, ela expõe fragilidades normativas que poderão comprometer a finalidade original do regime. Caso não sejam feitos ajustes regulatórios, o regime de ex-tarifário corre o risco de se transformar em um mecanismo predominantemente comercial, sem o impacto produtivo esperado pelo legislador.
Nota do autor:
Não compactuo com práticas que desvirtuem a finalidade original do regime de ex-tarifário, especialmente aquelas que utilizem brechas normativas para burlar as exigências impostas pela Resolução Gecex nº 512/2023.
O objetivo deste artigo é apenas apontar uma possível consequência prática das restrições impostas pela norma, destacando que, diante da ausência de mecanismos de fiscalização e penalidades, é provável que tais atividades se tornem comuns no mercado, reforçando a necessidade de ajustes regulatórios, modificando especialmente o projeto de investimento, que em nada preserva a indústria nacional, voltando a permitir o uso para empresas que buscam revender os bens importados.
Sabidamente, o projeto de investimento foi criado para reduzir o número de ex tarifários publicados, aumentando a arrecadação de imposto de importação, desvirtuando sua natureza de Imposto Extrafiscal.
Rogerio Zarattini Chebabi
OAB/SP 175.402
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