Sonegação Fiscal de Ganho de Capital: Prescrição Penal, Tributária e Reparação Pecuniária por Ação Civil Pública
(*Embora este artigo não trate de matéria aduaneira, trata-se de matéria tributária que pode ser de interesse de todas as empresas importadoras/exportadoras, comissárias e agentes de carga.)
A sonegação fiscal, especialmente em operações de ganho de capital provenientes da venda de empresas ou cotas sociais, é um tema recorrente tanto na esfera penal quanto tributária. Este artigo explora os aspectos da prescrição penal e tributária e a possibilidade de reparação pecuniária mediante ação civil pública (ACP), destacando o papel do Ministério Público (MP) nesse contexto.
1. O Ganho de Capital e a Sonegação Fiscal
O ganho de capital ocorre quando o valor de alienação de um bem ou direito supera o seu custo de aquisição, resultando em um acréscimo patrimonial tributável. Nas vendas de empresas ou cotas sociais, o Imposto de Renda (IR) incide sobre esse ganho. A omissão ou declaração falsa de tais operações configura sonegação fiscal, sujeitando o infrator às sanções administrativas, tributárias e criminais previstas na legislação.
2. A Prescrição Penal nos Crimes de Sonegação Fiscal
No âmbito penal, a sonegação fiscal é tipificada na Lei nº 8.137/90, que trata dos crimes contra a ordem tributária. Contudo, conforme a Súmula Vinculante nº 24 do Supremo Tribunal Federal (STF), "não se tipifica crime material contra a ordem tributária antes do lançamento definitivo do tributo". Assim, a contagem do prazo prescricional penal só se inicia após a constituição definitiva do crédito tributário, que ocorre no encerramento do processo administrativo fiscal.
O prazo de prescrição penal segue o artigo 109 do Código Penal, variando conforme a pena máxima cominada ao delito. Em crimes de sonegação fiscal, cuja pena máxima raramente supera 6 anos de reclusão, o prazo prescricional, em regra, é de 12 anos, conforme inciso III do referido artigo. Caso esse prazo expire, o infrator não poderá mais ser responsabilizado criminalmente.
3. A Prescrição Tributária
Na esfera tributária, a prescrição é regulada pelo Código Tributário Nacional (CTN). O artigo 174 estabelece que o prazo para a cobrança judicial do crédito tributário é de cinco anos, contados a partir da constituição definitiva do crédito, ou seja, do momento em que o Fisco encerra o processo administrativo fiscal e torna o crédito exequível.
3.1. Suspensão e Interrupção da Prescrição Tributária
A contagem do prazo prescricional pode ser:
Suspensa, por exemplo, durante o parcelamento do débito tributário (artigo 151 do CTN);
Interrompida, por atos como a citação válida do devedor em processo de execução fiscal.
Caso o prazo prescricional se esgote, o crédito tributário torna-se inexigível, impedindo que a Fazenda Pública busque a cobrança judicial. No entanto, isso não inviabiliza a responsabilização cível por meio de outras medidas.
4. Reparação Pecuniária por Ação Civil Pública
Embora a prescrição penal e tributária possam extinguir a punibilidade e a exigibilidade do crédito tributário, respectivamente, isso não afasta a possibilidade de reparação pecuniária pelos valores sonegados. Nesse cenário, a Ação Civil Pública (ACP) surge como instrumento eficaz para buscar a restituição dos danos causados ao erário.
4.1. Fundamento Jurídico
A ACP, regulamentada pela Lei nº 7.347/85, visa proteger direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos, incluindo o patrimônio público. Quando a sonegação fiscal atinge os cofres públicos, o Ministério Público, na qualidade de guardião do interesse público, pode ajuizar ACP para pleitear a reparação dos valores devidos.
4.2. Requisitos para a ACP
Para que a ACP seja viável:
O crédito tributário deve estar devidamente constituído, com valores definidos e sem possibilidade de questionamento administrativo.
A pretensão deve se limitar à reparação do dano ao patrimônio público, e não à imposição de sanções criminais ou tributárias já prejudicadas pela prescrição.
4.3. Prescrição Cível
Na esfera cível, a reparação de danos ao erário está sujeita a prazos prescricionais, geralmente mais extensos. A Lei nº 8.429/92 (Lei de Improbidade Administrativa), por exemplo, estabelece que o dano ao erário é imprescritível para ações de ressarcimento, conforme decisão do STF.
Contudo, para ACPs fora do âmbito da improbidade administrativa, ocorrerá prescrição se o ajuizamento for extemporâneo.
5. Papel do Ministério Público na Defesa do Erário
O Ministério Público desempenha papel central na reparação dos danos decorrentes da sonegação fiscal. Como titular da ACP, o MP pode buscar, em nome da coletividade, a devolução dos valores sonegados, corrigidos monetariamente e acrescidos de juros legais. Isso garante que o erário público não sofra prejuízo, mesmo nos casos em que a responsabilidade penal ou tributária tenha sido extinta pela prescrição.
Além disso, a atuação do MP em ações dessa natureza reafirma a função pedagógica e preventiva do Direito, desincentivando práticas ilícitas que comprometam o financiamento das políticas públicas.
6. Considerações Finais
A sonegação fiscal relacionada ao ganho de capital na venda de empresas ou cotas sociais ilustra como diferentes esferas jurídicas podem coexistir na responsabilização de ilícitos tributários. Enquanto a prescrição penal e tributária limitam a aplicação de sanções e a exigibilidade do crédito tributário, a reparação pecuniária permanece uma alternativa viável e juridicamente legítima para resguardar o patrimônio público.
O Ministério Público, ao utilizar a ACP para buscar a devolução de valores sonegados, reafirma sua missão constitucional de proteger o interesse público. Dessa forma, mesmo diante da prescrição penal ou tributária, é possível garantir que os recursos devidos ao erário sejam recuperados, promovendo a justiça fiscal e social.
Rogerio Zarattini Chebabi
OAB/SP 175.402
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