Improbidade Administrativa Sindical: Uma Análise Abrangente da Responsabilização dos Dirigentes
Introdução
Recentemente, dediquei-me ao estudo do Direito do Trabalho, um campo fora da minha área de atuação, mas necessário para defender os interesses de despachantes aduaneiros, principalmente em questões sindicais. Esta matéria sindical faço apenas por diversão, não me trazendo nenhum ganho relevante em termos de honorários; meu ganha pão é na área aduaneira e nas demais áreas do direito que a envolvem. Portanto, vejo isso mais como um hobby.
Posso parecer maluco, mas analisar jurisprudência me diverte.
Curiosamente, e sem me referir a ninguém em particular, deparei-me com a figura do dirigente sindical, cujas funções e responsabilidades são pouco compreendidas. Ao aprofundar a análise das responsabilidades, constatei que o comportamento inadequado do dirigente pode acarretar graves penalidades.
É nesse contexto que surge a questão da improbidade administrativa, que exploraremos a seguir.
A improbidade administrativa, delineada pela Lei nº 8.429/92, abrange um conjunto de atos ilícitos perpetrados por agentes públicos contra a administração pública, tanto direta quanto indireta. Tais ações infringem os princípios basilares da administração pública, como a legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, podendo acarretar prejuízo ao erário, enriquecimento ilícito ou qualquer outro benefício indevido ao agente público, ou a terceiros.
No âmbito sindical, a improbidade administrativa adquire nuances específicas, visto que os dirigentes sindicais, embora não sejam tecnicamente agentes públicos, desempenham funções de extrema relevância para a coletividade, administrando recursos e defendendo os interesses de toda uma categoria profissional. Diante disso, a legislação estende a esses dirigentes a sujeição às sanções da Lei de Improbidade Administrativa, quando estes praticam atos que violam os princípios da administração pública e causam dano à entidade sindical ou à categoria que representam.
A Responsabilização dos Dirigentes Sindicais e a Extensão da Lei de Improbidade Administrativa
A responsabilização dos dirigentes sindicais por atos de improbidade administrativa encontra seu fundamento na natureza pública das funções que exercem. Apesar de os sindicatos serem entidades de direito privado, eles desempenham um papel crucial de interesse público, representando e defendendo os direitos de toda uma categoria profissional. Ademais, os sindicatos são beneficiários de contribuições parafiscais, que se configuram como uma espécie de tributo, o que reforça ainda mais a natureza pública de suas atividades.
Nesse contexto, ao administrarem os recursos do sindicato e defenderem os interesses da categoria, os dirigentes sindicais têm o dever de agir com honestidade, transparência e em consonância com os princípios da administração pública. A inobservância desses deveres pode caracterizar ato de improbidade administrativa, sujeitando o dirigente às sanções previstas na lei, como a perda da função, a suspensão dos direitos políticos, a aplicação de multa e o ressarcimento ao erário. As penalidades podem ser estendidas aos diretores do sindicato, de igual forma !
A extensão da Lei de Improbidade Administrativa aos dirigentes sindicais encontra respaldo não apenas na natureza pública de suas funções, mas também em dispositivos legais específicos. O artigo 1º, parágrafo único, da Lei nº 8.429/92 estabelece que as disposições da lei são aplicáveis, no que couber, àquele que, mesmo não sendo agente público, induza ou concorra para a prática do ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta.
A Ampliação da Responsabilização na Jurisprudência
A jurisprudência tem desempenhado um papel fundamental na consolidação da responsabilização dos dirigentes sindicais por atos de improbidade administrativa. Diversas decisões judiciais têm reconhecido a aplicabilidade da Lei nº 8.429/92 a esses dirigentes, mesmo que não sejam agentes públicos em sentido estrito.
O Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, por exemplo, em um julgado emblemático, afirmou que "a lei permite aos dirigentes sindicais a busca do assessoramento contábil e jurídico, mas não os exclui da responsabilidade que lhes cabe, de prestar contas à Assembleia e as ter aprovadas em relação ao exercício em que atuaram". O tribunal ressaltou ainda que os sindicatos, embora não sofram interferência do Estado, sobrevivem essencialmente de contribuições parafiscais obrigatórias, o que torna seus dirigentes sujeitos passivos potenciais de improbidade administrativa.
Condutas Tipificadas como Improbidade Administrativa Sindical
As condutas que podem ser enquadradas como improbidade administrativa no contexto sindical são variadas, abrangendo desde o desvio de recursos da entidade até a utilização do cargo para obter vantagem pessoal ou beneficiar terceiros. Algumas das condutas mais frequentes incluem:
Desvio de recursos: Caracteriza-se pela utilização indevida dos recursos do sindicato, como a realização de despesas pessoais com o dinheiro da entidade, a concessão de empréstimos irregulares a terceiros ou o pagamento de serviços superfaturados. (Apenas como exemplo para melhor compreensão supomos que o sindicato contrate uma empresa para prestação de serviços jurídicos e esta empresa seja de propriedade ou administrada pelo presidente do sindicato e esta empresa também não tenha em seu objeto a prática de serviços jurídicos regulamentada pela Ordem dos Advogados do Brasil).
Enriquecimento ilícito: Configura-se quando o dirigente obtém vantagem patrimonial indevida em razão do cargo que ocupa, como o recebimento de propina ou comissões em troca de favorecimento a empresas ou pessoas.
Nepotismo: Ocorre quando o dirigente contrata parentes para cargos no sindicato, sem observar os princípios da impessoalidade e da moralidade.
Conduta antissindical: Caracteriza-se pela atuação do dirigente em detrimento dos interesses da categoria representada, como a celebração de acordos coletivos prejudiciais aos trabalhadores ou a omissão na defesa dos direitos da categoria. Entra aqui a cobrança irresponsavel de contribuições extintas, levando o Sindicato a sofrer constantes perdas judiciais, que causem prejuízos. Dentro da conduta antisindical, temos também o apontamento frequente e ilegal no Serasa e SPC, contra membros da classe profissional que o Sindicato represente e que deveria proteger.
Violação ao estatuto: Ocorre quando o dirigente desrespeita as normas estatutárias do sindicato, como a realização de despesas sem autorização da assembleia-geral ou a convocação irregular de eleições.
A Ação Civil Pública como Instrumento de Combate à Improbidade Administrativa Sindical
A ação civil pública desempenha um papel crucial no combate à improbidade administrativa no âmbito sindical. Essa ação pode ser ajuizada pelo Ministério Público, por sindicatos, por associações ou por qualquer cidadão, com o objetivo de proteger o patrimônio público e social, o meio ambiente e outros interesses difusos e coletivos.
No contexto da improbidade administrativa sindical, a ação civil pública pode ser utilizada para buscar a responsabilização dos dirigentes que cometeram atos ilícitos, a reparação dos danos causados à entidade sindical e à categoria representada, bem como a aplicação das sanções previstas na Lei de Improbidade Administrativa.
Jurisprudência analisada
As decisões judiciais analisadas confirmam a sujeição dos dirigentes sindicais à Lei de Improbidade Administrativa (Lei 8.429/92), mesmo que os sindicatos sejam entidades privadas. Essa responsabilização decorre da gestão de recursos provenientes de contribuições parafiscais, que, por sua natureza tributária, conferem caráter público à administração sindical.
O TRT-3, no caso RO 0000811-14.2013.5.03.0157, ressalta essa responsabilidade ao afirmar que "os Sindicatos são pessoas jurídicas de direito privado, que não sofrem interferência do Estado [...], mas sobrevivem essencialmente de contribuições parafiscais obrigatórias, espécies de tributos [...], o que torna seus dirigentes sujeitos passivos potenciais de improbidade administrativa."
Essa decisão reforça que a autonomia sindical não isenta os dirigentes da obrigação de administrar com probidade, prestando contas e respeitando o estatuto da entidade, sob pena de responderem por atos de improbidade.
Dano Moral Coletivo em Condutas Antissindicais
A jurisprudência também reconhece o dano moral coletivo em casos de atos de improbidade que violem o patrimônio material e imaterial do sindicato, prejudicando a categoria representada.
O TRT-1, no caso ROT 0011308362014501001, confirma essa tese ao afirmar que "restou indubitavelmente comprovado que os réus atentaram contra o patrimônio material e imaterial da entidade sindical, e, consequentemente, em detrimento da categoria por eles representada, que aos eleger como diretores, depositaram neles a confiança de condução e defesa de seus interesses."
Fica evidente que a má administração e a conduta antissindical dos dirigentes, além de gerar responsabilização individual, causam danos à coletividade representada, ensejando a reparação por dano moral coletivo.
Comprovado os atos ilícitos praticados, com violação aos direitos metaindividuais dos trabalhadores representados pelo sindicato, seja pela malversação do patrimônio da entidade sindical, seja pela prática de condutas objetiva e notadamente prejudiciais aos integrantes da categoria profissional, resta caracterizado o dano moral coletivo.
Competência Jurisdicional em Ações de Improbidade
A análise do caso CC 156350 SE 2018/0013742-7, julgado pelo STJ, evidencia a complexidade na definição da competência em ações de improbidade contra dirigentes sindicais.
Prevaleceu o entendimento de que a Justiça do Trabalho é competente quando os atos de improbidade tiverem reflexos na representação sindical: "as questões que produzam reflexo sobre a representação sindical, ensejando o possível afastamento do dirigente, ainda que digam respeito a atos de improbidade administrativa, devem ser processadas e julgadas na Justiça do Trabalho."
No entanto, a jurisprudência demonstra que a delimitação da competência ainda gera divergências, dependendo da análise do caso concreto e da relação entre os atos de improbidade e a relação de trabalho.
Afastamento preventivo do dirigente sindical e da diretoria
Constatadas irregularidades supostamente perpetradas ou autorizadas por seus dirigentes ou seu presidente, o Judiciário poderá determinar o afastamento destes, para as devidas diligências e investigações dos fatos. O afastamento preventivo é medida de natureza cautelar (e não punitiva) que possui os propósitos de impedir que o investigado venha a influir ou interferir na apuração dos fatos e evitar a continuidade ou perpetuação das práticas apontadas como irregulares.
Após sentença que confirme as irregularidades, todos seriam afastados em definitivo, sujeitando-os às sanções previstas na lei, como a perda da função, a suspensão dos direitos políticos, a aplicação de multa e o ressarcimento ao erário.
Rogerio Zarattini Chebabi
OAB/SP 175.402