A Indevida Cobrança de Demurrage em Virtude de Retenção Alfandegária
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Resumo:
Este artigo analisa os fundamentos jurídicos do Acórdão da Apelação Cível da 16ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, que afastou a responsabilidade do consignatário/importador pelo pagamento de sobreestadia de contêineres em razão de retenção alfandegária. Discute-se, ainda, se tal entendimento pode ser adotado por outros tribunais brasileiros, considerando os fundamentos aplicados e as tendências jurisprudenciais.
Assim ficou a Ementa:
Ação de cobrança julgada procedente - Transporte internacional - Devolução intempestiva de container - Cobrança de sobreestadia - Nulidade da sentença não verificada - Presença dos requisitos do art. 489 do CPC/2015 - Prova documental suficiente para análise segura das questões debatidas nos autos - Cerceamento de defesa inocorrente - Aptidão da exordial reconhecida - Aplicação do art. 53, inciso III, alínea “d”, do CPC - Incompetência territorial inocorrente - Autora que atuou como transportadora marítima e ré como consignatária das cargas - Legitimidade ativa e passiva mantidas - Relação de caráter nitidamente comercial - Inaplicabilidade do CDC - Conhecimento marítimo emitido em nome da ré Sobrestadia, todavia, indevida em decorrência da retenção dos contêineres pela Receita Federal - Ação improcedente Recurso provido.
Trecho relevante da decisão:
"No caso dos autos, sendo a ré consignatária empresa que desenvolve atividades de comércio (compra e venda internacional), a princípio, não deve ela ser considerada consumidora na medida em que não é destinatária final dos produtos importados, já que nada foi arguido nesse sentido.
A autoridade alfandegária pode as vezes reter as mercadorias para análise e isso faz com que o container fique retido e sua devolução ultrapasse o prazo ajustado, o que não implica em carrear ao importador, consignatário ou ao proprietário do navio, a reponsabilidade pelas estadias que ultrapassarem o prazo contratual.
Realmente esse obstáculo que é imprevisível, uma vez que a Receita é que faz a escolha de forma subjetiva, não pode gerar despesas ao consignatário, sobretudo quando se trata de comerciante ou empresa de pequeno porte, que fatalmente não suportaria absorver o valor cobrado"
1. Introdução
A cobrança de sobreestadia (demurrage) no transporte marítimo internacional gera debates relevantes sobre os limites da responsabilidade do consignatário, especialmente em situações de eventos externos, como retenções alfandegárias. Este estudo examina o acórdão proferido pelo TJSP, destacando seus aspectos técnicos, as principais teses das partes, suas implicações no comércio internacional e a possibilidade de adoção de seu entendimento por outros tribunais.
No caso em tela a retenção foi considerado um obstáculo imprevisível. Sugiro cautela no caso de retenções previsíveis, como caso de subfaturamento ou interposição/ocultação do real adquirente evidentes, e "estouro" do limite do Radar.
2. Principais Pontos da Defesa da IMPORTADORA (Apelante)
A apelante apresentou uma defesa robusta, com argumentos em caráter preliminar e de mérito:
Preliminares:
Nulidade da sentença: Alegava que a decisão de primeira instância não analisou adequadamente seus argumentos.
Cerceamento de defesa: Apontava que não teve oportunidade de produzir todas as provas necessárias.
Inépcia da inicial: Questionava a ausência de documentos essenciais na petição inicial do ARMADOR
Incompetência relativa: Defendia que o foro competente seria o do Rio de Janeiro, e não Santos.
Ilegitimidade ativa e passiva: Sustentava que o ARMADOR não teria legitimidade para propor a ação e que o IMPORTADOR não seria parte legítima no polo passivo.
Mérito:
Inaplicabilidade do CDC: Argumentava que a relação jurídica entre as partes não era de consumo.
Fato do príncipe/força maior: Defendia que a retenção alfandegária configurava excludente de responsabilidade.
Desídia do armador: Alegava que o armador deveria ter solicitado a desunitização das cargas.
Ausência de prova dos danos: Questionava a comprovação dos prejuízos alegados pelo ARMADOR.
3. Decisão do Tribunal de Justiça (TJSP)
O TJSP, através do voto do relator, rejeitou as preliminares do IMPORTADOR mas DEU PROVIMENTO AO RECURSO DE APELAÇÃO, reformando a sentença de primeira instância e julgando a ação de cobrança improcedente. Os pontos principais da decisão foram:
3.1 Rejeição das Preliminares:
Nulidade da sentença: Confirmou que a decisão original atendeu aos requisitos do art. 489 do CPC.
Cerceamento de defesa: Considerou suficientes as provas documentais.
Inépcia da inicial: Reconheceu que a petição inicial estava adequadamente instruída.
Incompetência relativa: Manteve a competência do foro de Santos/SP, com base no art. 53, III, "d", do CPC.
3.2 Mérito:
Inaplicabilidade do CDC: Reconheceu que a relação entre as partes era comercial, afastando o Código de Defesa do Consumidor.
Força maior: O Tribunal entendeu que a retenção dos contêineres pela Receita Federal era um evento imprevisível, configurando justa causa para o atraso.
Equilíbrio Contratual: A decisão reforçou que a cobrança de sobreestadia em tais condições seria injusta, especialmente para empresas de pequeno porte.
Necessidade de diálogo: O TJSP destacou a importância de uma regulação mais clara entre alfândega e partes interessadas para tratar a demurrage em casos de retenção alfandegária.
4. A Decisão Pode Ser Seguida por Outros Tribunais?
Embora não vinculante, a decisão apresenta fundamentos sólidos que podem influenciar outros tribunais:
4.1 Caráter Persuasivo:
O acórdão aborda princípios amplamente aceitos, como a proporcionalidade e a razoabilidade, tornando-o um precedente relevante para casos similares.
4.2 Divergências Jurisprudenciais:
Decisões sobre demurrage são heterogêneas no Brasil, com alguns tribunais atribuindo responsabilidade ao consignatário e outros reconhecendo a força maior em casos de retenção alfandegária.
4.3 Uniformização pelo STJ:
O Superior Tribunal de Justiça pode, eventualmente, estabelecer um entendimento uniforme, utilizando fundamentos semelhantes aos deste acórdão para balizar futuras decisões.
5. Conclusões e Repercussões Jurídicas
O acórdão da Câmara de Direito Privado do TJSP reforça a importância de uma análise criteriosa das causas de atraso na devolução de contêineres, destacando a força maior e o equilíbrio contratual como fundamentos para afastar cobranças indevidas de sobreestadia. Ainda que não tenha caráter vinculante, a decisão oferece um precedente persuasivo que pode moldar a jurisprudência nacional, incentivando maior justiça nas relações comerciais e maior diálogo entre alfândegas e operadores logísticos.
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ROGERIO ZARATTINI CHEBABI
OAB/SP 175.402
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