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A Impossibilidade de Conversão da Pena de Perdimento em Multa em Casos de Força Maior

(Análise de Bem Imprestável, Perdido ou Falecido Sob a Custódia do Depositário Autuado)



Advogado Aduaneiro


No âmbito do direito aduaneiro, a pena de perdimento configura uma sanção patrimonial com a finalidade de reter, no território nacional, mercadorias irregulares ou utilizadas em operações fraudulentas. No entanto, em casos onde o bem perece, perde-se ou torna-se imprestável devido a eventos de força maior, a conversão automática do perdimento em multa suscita questões jurídicas complexas. Este artigo aborda a inaplicabilidade da conversão do perdimento em multa, especialmente quando a força maior inviabiliza o exercício do controle físico sobre o bem pelo depositário autuado.


1. Conceito de Perdimento e Finalidade da Sanção


A pena de perdimento é regulada pelo Decreto-Lei nº 1.455/1976 e tem por objetivo retirar de circulação mercadorias que ingressam no país em desconformidade com as normas de controle aduaneiro, preservando a ordem econômica e a regularidade das operações de comércio exterior. Em termos práticos, a sanção visa não apenas penalizar o infrator, mas também assegurar que o bem irregular não seja aproveitado economicamente no país.


Entretanto, o §3º do artigo 23 do mesmo Decreto-Lei permite a conversão do perdimento em multa equivalente ao valor aduaneiro da mercadorianos casos em que o bem objeto da infração não possa ser localizado, foi consumido ou revendido. Essa previsão visa assegurar uma compensação financeira ao Estado, em substituição à apreensão física, nos casos em que o bem não esteja mais disponível. Todavia, a aplicabilidade dessa substituição deve ser analisada com cautela quando a indisponibilidade do bem decorre de força maior, como perda, perecimento ou falecimento natural do bem (por exemplo, um cavalo).


2. Casos de Força Maior e a Responsabilidade do Depositário.


O Código Civil, em seu artigo 642, oferece diretrizes importantes para a interpretação de casos de força maior no contexto do depósito. Ele estabelece que:


"O depositário não responde pelos casos de força maior; mas, para que lhe valha a escusa, terá de prová-los."


Conforme esse artigo, casos de força maior – eventos naturais ou humanos inevitáveis, como falecimento, perda ou dano irremediável – eximem o depositário de responsabilidade sobre o bem depositado, desde que comprovados documentalmente. No contexto aduaneiro, se o bem perecer ou se tornar imprestável por causas alheias à vontade e controle do depositário, a justificativa de força maior se aplica, e o depositário é liberado da responsabilidade por sua perda ou inutilização.


Assim, a aplicabilidade do perdimento – uma sanção patrimonial – perde sua razão de ser quando o objeto se torna inacessível e, portanto, inapreensível. Se a finalidade do perdimento é retirar o bem de circulação, torna-se incoerente aplicar uma multa em substituição quando o bem já se encontra em condição que inviabiliza qualquer tipo de aproveitamento​.


3. Inaplicabilidade da Conversão em Multa em Caso de Perecimento e Imprestabilidade do Bem


No direito administrativo sancionador, o princípio da proporcionalidade exige que a sanção seja adequada ao fato infracional e que respeite as circunstâncias envolvidas, especialmente em casos excepcionais como o de força maior. Quando o bem sancionado perece ou se torna imprestável devido a causas naturais, como o falecimento de um animal ou a destruição de uma mercadoria por eventos imprevistos, a sanção perde o fundamento que justifica a apreensão ou retenção do bem.


A conversão em multa nessas situações extrapola o propósito original do perdimento, transformando uma sanção material em uma punição financeira desproporcional, pois impõe ao depositário uma responsabilidade que se esvaziou com o desaparecimento do bem. Em casos onde o depositário comprova que o evento que resultou na imprestabilidade do bem configura força maior, não há base jurídica que ampare a aplicação de uma penalidade pecuniária em substituição.


4. Precedentes e Jurisprudência sobre a Conversão de Perdimento em Multa em Casos de Força Maior


A jurisprudência brasileira ainda é escassa sobre a conversão do perdimento em multa especificamente em situações de força maior, mas o entendimento dos tribunais em casos análogos sugere uma linha de razoabilidade e proporcionalidade. Em situações de excludente de responsabilidade, como a força maior, a jurisprudência tende a reconhecer que a aplicação de uma sanção deve ser limitada pelo evento imprevisível que escapa ao controle do depositário.


Essa interpretação coaduna-se com o princípio constitucional da razoabilidade, que exige que as penalidades não sejam impostas de forma arbitrária ou excessiva. A transformação do perdimento em multa, em situações onde o bem perdeu-se, pereceu ou tornou-se imprestável por força maior, desvirtua o princípio da sanção e viola a proporcionalidade, pois impõe uma punição que desconsidera a natureza excepcional da situação e o fato de que o depositário não obteve qualquer vantagem com a perda.


5. Análise Comparativa: Força Maior no Direito Aduaneiro e Outros Ramos do Direito


No direito civil e penal, a força maior exime o responsável de eventuais consequências, desde que o evento seja comprovado e alheio ao controle humano. Da mesma forma, no direito aduaneiro, eventos de força maior devem ser considerados excludentes de responsabilidade, já que o depositário autuado não tem meios de prevenir ou evitar esses acontecimentos. A aplicação automática da multa em substituição ao perdimento ignora esse entendimento e impõe uma sanção financeira indevida sobre o depositário.


O Código Civil define força maior como todo evento que, embora previsível, é inevitável, o que no direito aduaneiro deve ser entendido como uma situação que justifica o encerramento do processo sancionador. Esse conceito de força maior, já reconhecido no ordenamento jurídico brasileiro, aponta para a impossibilidade de responsabilizar o depositário por perdas que escapem ao seu controle e reafirma que o princípio da responsabilidade objetiva, ainda que presente no direito aduaneiro, deve respeitar os limites de previsibilidade e controle dos eventos.


Rogerio Zarattini Chebabi

OAB/SP 175.402

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