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ANVISA - A Exigência de Anuência Adicional e a Aplicação do Princípio da Irretroatividade com Base na IN 281/2024 e RDC 843/2024



1. Introdução


O comércio exterior brasileiro é constantemente moldado por regulamentações sanitárias e administrativas que visam garantir a segurança e a conformidade dos produtos importados. As exigências para a importação de produtos alimentícios, por exemplo, são frequentemente ajustadas para atender a novos critérios definidos por órgãos como a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA).


Com a publicação da Instrução Normativa (IN) 281/2024 e da Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) 843/2024, novas diretrizes foram estabelecidas para o controle e regularização pré-mercado de alimentos, criando um marco regulatório que introduziu a necessidade de anuência da ANVISA para determinados produtos alimentícios. Essas mudanças, contudo, suscitam debates quando aplicadas a operações de importação já iniciadas antes da entrada em vigor das novas normas. A questão central é a aplicação do princípio da irretroatividade das normas.


Este artigo discutirá a aplicabilidade desse princípio em casos de importação de produtos alimentícios, cujo licenciamento foi solicitado antes da mudança normativa. Também abordará a legalidade da imposição de multas por informações alegadamente inexatas quando as novas exigências surgiram após o pedido de licenciamento.


2. O Princípio da Irretroatividade das Normas


A Constituição Federal de 1988, em seu art. 5º, inciso XXXVI, estabelece que a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada. Esse princípio é fundamental para garantir segurança jurídica nas relações entre o Estado e os administrados, assegurando que mudanças legislativas ou regulamentares não prejudiquem situações já consolidadas sob normas anteriores.


No direito administrativo, incluindo o aduaneiro, a irretroatividade das normas impede que novas exigências, como anuências adicionais de órgãos reguladores, sejam aplicadas retroativamente a processos já iniciados. Dessa forma, um licenciamento de importação submetido antes da vigência de uma nova regra não deve ser afetado por exigências criadas posteriormente.


3. Mudança na Exigência de Anuência para Produtos Alimentícios


Com a entrada em vigor da IN 281/2024 e da RDC 843/2024, a ANVISA estabeleceu novas regras para a regularização de alimentos com base em critérios de risco. Esses regulamentos introduziram a necessidade de anuência da ANVISA para produtos alimentícios que, até então, não estavam sujeitos a essa exigência.


Embora a norma tenha sido publicada em 2024, surgem questionamentos sobre sua aplicação em processos de importação já iniciados sob a legislação anterior. No caso em análise, o licenciamento foi solicitado antes da vigência das novas exigências. Posteriormente, com a entrada em vigor da RDC e da IN, foi exigida a substituição da licença de importação para incluir a anuência da ANVISA, sob pena de aplicação de multa.


4. A Multa de 1% e a Inexatidão de Informações


A Medida Provisória 2.158-35/2001, em seu art. 84, prevê a aplicação de uma multa de 1% sobre o valor aduaneiro quando há inexatidão ou omissão de informações no despacho aduaneiro. No entanto, no caso em questão, a inexatidão alegada diz respeito à falta de anuência da ANVISA, que não era exigida no momento do licenciamento.


Aplicando o princípio da segurança jurídica, não se pode penalizar o importador pela ausência de uma anuência que não era necessária à época da solicitação do licenciamento. A exigência surgiu após o início do processo, e não se pode transformar um procedimento correto em irregular por força de uma norma superveniente.


5. Aplicação do Princípio da Irretroatividade no Direito Aduaneiro


No direito aduaneiro, a jurisprudência brasileira reconhece o princípio da irretroatividade das normas em casos de mudanças no tratamento administrativo das importações. A IN 281/2024 e a RDC 843/2024 trouxeram novas obrigações para a regularização de alimentos, mas essas obrigações não podem afetar processos iniciados sob a vigência da legislação anterior.


Por se tratar de um ato jurídico perfeito, o licenciamento de importação consolidado antes da alteração normativa não pode ser modificado retroativamente pela administração pública. A exigência de novas anuências para processos que já estavam em andamento violaria os princípios da legalidade e da segurança jurídica.


6. Possíveis Medidas Jurídicas


Diante da exigência de nova anuência e da aplicação de multa, o importador tem à disposição algumas medidas jurídicas para garantir seus direitos:


  • Mandado de Segurança: A medida cabível para afastar a exigência retroativa de anuência da ANVISA e proteger o ato jurídico perfeito do licenciamento. Por consequência, anular a multa. Não esquecer da ausência de intuito doloso, que pode ajudar a anular a multa.


  • Defesa Administrativa: No âmbito da Receita Federal, argumentando a legalidade do procedimento de importação conforme a legislação vigente à época da solicitação.


7. Conclusão


A exigência de anuência adicional para a importação de produtos alimentícios, conforme estabelecido pela IN 281/2024 e RDC 843/2024, não pode ser imposta retroativamente a processos de importação iniciados antes da vigência dessas normas. O princípio da irretroatividade assegura que as mudanças legislativas e regulamentares sejam aplicadas apenas prospectivamente, protegendo as operações já licenciadas sob o regime anterior.


O importador tem respaldo jurídico para contestar tanto a exigência de nova anuência quanto a multa aplicada por suposta inexatidão das informações, assegurando que seus direitos sejam respeitados e que a legislação vigente à época do licenciamento seja observada.


Rogerio Zarattini Chebabi

OAB/SP 175.402

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