A Restituição de Tributos na Conta e Ordem com Perdimento de Mercadorias - Legitimidade do importador ao invés do adquirente
Introdução
A restituição de tributos pagos indevidamente é um dos temas mais complexos do Direito Tributário brasileiro, especialmente em operações de importação por conta e ordem. Nessas operações, o importador atua como intermediário, enquanto o adquirente é o real beneficiário dos bens importados. Este artigo analisa a legitimidade do importador para pleitear a restituição de tributos em casos de perdimento de mercadorias, à luz do Acórdão nº 3302-004.439 do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF), destacando os fundamentos legais e a jurisprudência aplicáveis.
1. Contextualização: O Acórdão nº 3302-004.439 do CARF
O Acórdão nº 3302-004.439 analisou o pleito de restituição de tributos incidentes sobre uma operação de importação por conta e ordem, em que mercadorias foram objeto de pena de perdimento antes do desembaraço aduaneiro. O caso envolveu os seguintes tributos:
Imposto de Importação (II);
Contribuição para o PIS-Pasep-Importação;
COFINS-Importação.
A decisão estabeleceu os seguintes pontos centrais:
Imposto de Importação: Por não comportar transferência de encargo financeiro, não há necessidade de comprovar que o importador não transferiu o ônus a terceiros para pleitear a restituição.
PIS-Pasep-Importação e COFINS-Importação: Também não comportam transferência de encargo, assegurando ao importador legitimidade ativa para pleitear a restituição.
2. Importador por Conta e Ordem: Contribuinte de Direito e Legitimidade
Nas operações de importação por conta e ordem, o importador é formalmente o responsável pela operação perante a Receita Federal e o contribuinte de direito do tributo, conforme o artigo 121 do Código Tributário Nacional (CTN). Isso significa que o importador é o sujeito passivo da obrigação tributária, independentemente de sua relação com o adquirente.
Mesmo atuando como mero prestador de serviços, o importador:
Recolhe os tributos incidentes na importação;
Está diretamente vinculado à relação jurídico-tributária;
Tem legitimidade ativa para pleitear a restituição dos tributos pagos, incluindo os casos de perdimento.
O Acórdão nº 3302-004.439 reafirma essa legitimidade ao reconhecer que o importador é quem formalmente suporta o encargo tributário, afastando a necessidade de autorização do adquirente.
3. O Perdimento de Mercadorias e o Fato Gerador dos Tributos
A pena de perdimento aplicada antes do desembaraço aduaneiro interrompe o ciclo econômico da mercadoria, afastando o fato gerador dos tributos incidentes na importação. Conforme o artigo 1º, §4º, inciso III, do Decreto-Lei nº 37/1966, o perdimento impede que a mercadoria seja destinada ao consumo, o que caracteriza a inexistência do fato gerador.
Nesse contexto:
Imposto de Importação: Não há consumo ou circulação econômica da mercadoria, invalidando a exigência do tributo.
PIS-Pasep-Importação e COFINS-Importação: Esses tributos estão vinculados ao ingresso das mercadorias no mercado interno. O perdimento antes do desembaraço elimina essa possibilidade, configurando pagamento indevido.
A restituição é, portanto, um direito assegurado ao contribuinte de direito, ou seja, ao importador.
4. Aplicação do Artigo 166 do CTN
O artigo 166 do CTN dispõe que a restituição de tributos que comportem transferência do encargo financeiro só pode ser feita ao contribuinte que:
Comprove não ter repassado o encargo; ou
Apresente autorização do terceiro que suportou o encargo (contribuinte de fato).
Entretanto, o Acórdão nº 3302-004.439 esclarece que o Imposto de Importação e as contribuições incidentes sobre a importação não são tributos que, por sua natureza, comportem a transferência do encargo financeiro. Isso ocorre porque:
Esses tributos são considerados diretos, incidindo exclusivamente sobre o importador, que suporta o encargo sem transferi-lo a terceiros.
Não há necessidade de autorização do adquirente para que o importador pleiteie a restituição.
Esse entendimento é corroborado por jurisprudência consolidada, como o Parecer PGFN/CAT nº 1.316/2001 e o Parecer Cosit nº 47/2003, que reforçam a inaplicabilidade do artigo 166 do CTN nesses casos.
5. Jurisprudência Relevante
Além do Acórdão nº 3302-004.439, outras decisões administrativas e judiciais fortalecem a tese da legitimidade do importador:
STJ, REsp nº 903.394/SC: Estabelece que a restituição de tributos indiretos exige comprovação de não transferência do encargo, mas reconhece que tributos diretos não possuem essa limitação.
Súmula 546 do STF: Prevê a restituição de tributos pagos indevidamente quando comprovado que o encargo não foi transferido ao contribuinte de fato.
6. Conclusão
O importador por conta e ordem, ainda que mero prestador de serviços, possui legitimidade ativa para pleitear a restituição de tributos pagos indevidamente, incluindo os casos de perdimento de mercadorias antes do desembaraço aduaneiro. A ausência de transferência do encargo financeiro nos tributos incidentes na importação (II, PIS-Importação e COFINS-Importação) reforça a exclusividade desse direito.
O Acórdão nº 3302-004.439 do CARF é um marco importante ao consolidar esse entendimento, contribuindo para a segurança jurídica dos operadores de comércio exterior e para a correta aplicação das normas tributárias no Brasil.
Rogerio Zarattini Chebabi
OAB/SP 175.402
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