Saneamento e Desova no Despacho Aduaneiro de Importação como instrumentos de Greve da RFB
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1. Introdução
O processo de despacho aduaneiro é uma etapa essencial na importação de mercadorias, envolvendo a conferência documental e, quando necessário, a inspeção física da carga. No entanto, nos últimos anos, tem-se observado o uso indiscriminado da chamada "exigência de saneamento", termo que, embora amplamente empregado no cotidiano aduaneiro, não encontra respaldo explícito na legislação brasileira.
Este artigo examina a natureza do saneamento no despacho aduaneiro, os limites da atuação fiscal, o abuso da prerrogativa de desova da carga e os impactos negativos dessa prática para o setor de comércio exterior, em especial no Porto de Santos.
2. O Que é o Saneamento no Despacho Aduaneiro?
O saneamento, no contexto do despacho aduaneiro, refere-se à necessidade de regularização de informações e documentação para que a Receita Federal prossiga com a análise da importação. Esse procedimento pode envolver a retificação de dados na DI/DUIMP, a complementação de documentos ou a prestação de esclarecimentos pelo importador.
Todavia, o termo saneamento não consta expressamente na legislação aduaneira, sendo uma construção administrativa aplicada de maneira ampla e, muitas vezes, sem critérios objetivos. Tal falta de previsão legal abre espaço para arbitrariedades por parte de agentes fiscais.
O saneamento pode ser exigido em diferentes momentos do despacho aduaneiro, geralmente quando a Receita Federal ou outros órgãos intervenientes identificam inconsistências ou pendências que precisam ser corrigidas pelo importador.
Isso pode ocorrer em situações como:
Divergências entre a fatura comercial e os dados declarados na DI/DUIMP.
Falta ou erro na classificação fiscal da mercadoria (NCM).
Problemas na comprovação do valor aduaneiro.
Documentação incompleta (ex.: licenças de importação pendentes).
Divergências na descrição da mercadoria.
Falta de comprovação de regularidade cambial ou tributária.
O importador deve atender à exigência dentro do prazo estipulado pela Receita Federal. Normalmente, as correções são feitas via Retificação da Declaração de Importação (DI/DUIMP) no Siscomex ou por meio da inclusão de documentos adicionais no processo.
Se a exigência for atendida corretamente, o despacho de importação segue seu curso normal. Caso contrário, a carga pode ser retida, sujeita a penalidades, multas ou mesmo ao perdimento, dependendo da gravidade da infração.
3. A Necessidade de Fundamentação para a Exigência de Saneamento
O auditor fiscal não pode exigir saneamento sem apresentar fundamentos concretos. A ausência de motivação para a exigência contraria os princípios da legalidade, razoabilidade e motivacão dos atos administrativos, previstos no artigo 37 da Constituição Federal e na Lei nº 9.784/1999.
Sempre que a Receita Federal determinar um saneamento, deve indicar de forma clara:
Qual é a inconsistência ou irregularidade identificada;
A base legal ou normativa que justifica a exigência;
O prazo e os meios para sua regularização.
4. O Saneamento Implica Necessariamente em Desova da Carga?
Não. O saneamento é um procedimento administrativo voltado para a correção de informações e documentação, e não necessariamente envolve a desova da carga para inspeção física.
A exigência de desova deve ser fundamentada pelo auditor fiscal e só pode ser determinada quando houver motivos concretos que justifiquem a necessidade de inspeção física, tais como:
Parametrização em canal vermelho – O despacho de importação caiu no canal vermelho, exigindo verificação documental e física.
Divergência entre documentos e carga – A Receita Federal ou outro órgão percebe inconsistências na DI/DUIMP.
Exigência de órgãos anuentes – Alguns órgãos (MAPA, Anvisa, Inmetro, Exército) podem exigir inspeção física para mercadorias controladas.
Suspeita de fraude – Indícios de subfaturamento, falsa declaração de conteúdo, irregularidades fiscais ou tributárias.
Averiguação de integridade da carga – Se houver danos, violação ou necessidade de comprovação da exatidão da mercadoria
5. Uso Abusivo da Desova para Retaliação e Pressão Política
Infelizmente, tem se tornado comum o uso criminoso da exigência de desova como instrumento de pressão sobre o governo durante movimentos de greve dos servidores da Receita Federal. No Porto de Santos, por exemplo, há inúmeros relatos de auditores fiscais determinando a desova de cargas sem qualquer justificativa razoável, apenas para atrasar o fluxo de liberação de mercadorias e ampliar os efeitos de suas reivindicações salariais.
Tal prática é ilícita e abusiva, pois penaliza exclusivamente o importador, que já arca com altos custos logísticos, armazenagem e demurrage. Além disso, essa conduta pode ser enquadrada como crime de abuso de autoridade (Lei nº 13.869/2019), pois causa danos diretos ao empresário, sem base legal justificável.
6. Falta de Infraestrutura dos Terminais e Danos às Mercadorias
Outro problema grave é que os terminais alfandegados frequentemente não possuem agenda para realizar inspeções, resultando em atrasos ainda mais significativos. Isso gera custos extras para os importadores e paralisa operações essenciais da cadeia de suprimentos.
Quando a desova finalmente ocorre, as cargas são frequentemente devolvidas em estado lastimável, com produtos danificados, violados ou sem condições de comercialização. Isso ocorre porque:
As mercadorias são retiradas de seus paletes e embalagens de forma inadequada;
Falta infraestrutura adequada nos terminais para armazenagem segura;
A reembalagem é feita sem os cuidados necessários.
O resultado é um prejuízo irreparável para os importadores, que raramente conseguem obter indenização por esses danos.
7. Conclusão
O conceito de saneamento no despacho aduaneiro não tem previsão expressa na legislação, devendo ser interpretado dentro dos princípios da legalidade e razoabilidade. O auditor fiscal não pode exigir saneamento ou desova da carga sem fundamentação clara e objetiva, sob pena de abuso de autoridade.
Além disso, o uso criminoso da desova como instrumento de pressão durante greves da Receita Federal precisa ser combatido com medidas judiciais e administrativas. É urgente que os terminais portuários melhorem sua estrutura para inspeção e garantam a integridade das mercadorias.
O empresário brasileiro já enfrenta um ambiente regulatório complexo e tributariamente oneroso. Permitir que sua carga seja alvo de arbitrariedades apenas agrava os desafios do comércio exterior e prejudica a competitividade do Brasil no cenário global.
ROGERIO ZARATTIN CHEBABI
OAB/SP 175.402
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