SINDICOMIS cria obrigação ilegal em Convenção Coletiva - Imposição do Programa de Promoção da Saúde Mental
Recentemente fui consultado informalmente por algumas comissárias de despachos, que receberam cópias de convenções coletivas para o biênio 2024/2026, originadas do SINDICOMIS, cujo teor continha cláusula que tratava de imposição à adesão ao PROGRAMA DE PROMOÇÃO DA SAÚDE MENTAL E DO BEM-ESTAR.
A convenção coletiva, relativa à cidade de Campinas - SP, continha os seguintes dizeres:
“CLÁUSULA 21ª - PROGRAMA DE PROMOÇÃO DA SAÚDE MENTAL E DO BEM-ESTAR
Os trabalhadores beneficiários desta Convenção Coletiva de Trabalho, sindicalizados ou não, receberão os benefícios do PROGRAMA DE PROMOÇÃO DA SAÚDE MENTAL E DO BEM-ESTAR DE TRABALHADORES, em consonância com o art. 2º da Lei 14.831/2024, conforme definição do Manual de Orientações e Regras.
Parágrafo primeiro: Para viabilizar financeiramente este programa e respectivo benefício social, ficam obrigadas as empresas a efetuar o pagamento mensal, por meio de guia própria, no valor de R$ 80,00 (oitenta reais) por empregado, sem ônus para ele, até o dia 10 (dez) de cada mês, diretamente à empresa gestora e executora do benefício, que será contratada pelo Sindicato Patronal. Para efeito do cálculo do número de empregados, a base será a quantidade constante no campo “total de empregados do último dia do mês” informado no E-SOCIAL e GFIP do mês anterior ou do último informado ao Ministério do Trabalho e Emprego;
Parágrafo segundo: O programa e respectivo benefício, embora apresentando caráter compulsório, não têm natureza salarial nem constituem contraprestação de serviços, sendo eminentemente assistencial.”
Analisei a referida cláusula do ponto de vista da legalidade e concluí:
A iniciativa, embora louvável em sua intenção de abordar a importante questão da saúde mental no ambiente de trabalho, levanta sérias dúvidas sobre sua legalidade e, sobretudo, sobre a ética de sua implementação.
A Lei nº 14.831/2024, que institui o “Certificado Empresa Promotora da Saúde Mental”, serve como pano de fundo para essa discussão. É apenas uma certificação.
Embora a lei incentive a promoção da saúde mental nas empresas, ela não prevê a possibilidade de sindicatos cobrarem dos empregadores para financiar tais programas, muito menos que o sindicato escolha unilateralmente a empresa que prestará o serviço.
Notem que a Lei 14.831 apenas Institui o Certificado Empresa Promotora da Saúde Mental e estabelece os requisitos para a concessão da certificação, e não cria em nenhum momento a obrigatoriedade da implementação de programas de promoção da saúde mental no ambiente de trabalho. É uma lei optativa. Não cria obrigações para os empregadores.
Analisando mais a fundo a Lei nº 14.831/2024 em face da Convenção Coletiva de Trabalho, destaco os seguintes pontos:
Certificado x Obrigatoriedade: A lei incentiva a promoção da saúde mental nas empresas por meio de um certificado, enquanto a convenção obriga a participação no programa.
Abrangência da Lei: A Lei nº 14.831/2024 não aborda a obrigatoriedade de programas de saúde mental via Convenção Coletiva, tampouco define se a cobrança de valores para este fim é legal ou não.
Autonomia da Convenção: A Convenção Coletiva de Trabalho, em sua Cláusula 21ª, define a forma de financiamento do programa e a responsabilidade pela contratação da empresa gestora. No entanto, a legalidade da cobrança, à luz da Lei nº 14.831/2024, não fica clara.
A imposição de um custo adicional aos empregadores, sem amparo legal ou convencional, é, no mínimo, questionável.
Cumpre alertar que o TST, reforça regularmente a importância da negociação coletiva e da autonomia das partes na definição das condições de trabalho. Contudo, ele destaca que cláusulas que imponham encargos econômicos à categoria patronal somente podem ser fixadas pela Justiça do Trabalho em caso de norma preexistente ou conquista histórica da categoria, o que não parece ser o caso do programa de saúde mental em questão.
O que causa ainda mais estranheza é o fato de o sindicato escolher a empresa que irá implementar o programa, sem qualquer consulta ou processo de seleção transparente. Essa atitude poderá supostamente levantar injustas suspeitas sobre possíveis conflitos de interesse e falta de isonomia na escolha do prestador de serviços. O referido sindicato deve se abster de indicar qualquer empresa, sob pena de macular ainda mais sua imagem, já tão ferida em virtude de constantes cobranças ilegais das extintas contribuições sindical, confederativa e assistencial.
Em suma, a iniciativa do sindicato, embora bem-intencionada, parece ter atropelado princípios básicos de legalidade, transparência e ética. A imposição de custos aos empregadores sem negociação prévia e a escolha unilateral da empresa executora do programa são pontos que merecem ser questionados e revistos. A promoção da saúde mental é fundamental, mas deve ser feita com respeito à lei, à ética e, acima de tudo, aos direitos e interesses de todos os envolvidos.
Saliente-se que a Lei nº 13.467/2017 (Reforma Trabalhista), apesar de reforçar a autonomia da vontade coletiva, não impede o controle judicial de normas abusivas ou ilegais.
A jurisprudência do TST tem se mostrado atenta aos limites da negociação coletiva, garantindo a proteção dos direitos trabalhistas.
Em virtude da ilegalidade constatada, representarei ao Ministério Publico do Trabalho para propor ação anulatória das convenções coletivas citadas. Regra geral confere legitimidade para propor a ação anulatória ao Ministério Público do Trabalho (art. 83, IV, da LC nº 75/93).
Na mesma representação requererei que se verifique a legalidade das convocações originárias das reuniões que referendaram as convenções, pois, pelo que li das referidas convocações, não encontrei menção que seria votado malfadado programa, eivando de vício formal cada uma das convenções, o que é capaz de macular cada instrumento coletivo a ponto de ser declarado inválido por este aspecto.
Rogerio Zarattini Chebabi
Advogado - OAB/SP 175/402