O Terminal e sua responsabilidade pela demurrage quando negar a desova
(O importador pode ajuizar ação contra o Terminal obrigando-o a proceder à desova, ou após o desembaraço, se ressarcir da demurrage paga)
O universo do comércio exterior, marcado pela importação e exportação de mercadorias, é um processo intrincado que compreende uma série de etapas cruciais. Uma dessas etapas, de extrema relevância, é a armazenagem das mercadorias em terminais alfandegados. O contêiner, embora seja um instrumento indispensável para o transporte marítimo, não pode ser confundido com a própria mercadoria que ele carrega. Surge, então, um questionamento fundamental: o importador possui o direito de desovar o contêiner, ou seja, retirar a mercadoria de dentro dele, mesmo quando o terminal alfandegado se opõe a essa ação?
A resposta, embasada na legislação e na jurisprudência consolidada, é afirmativa. O direito à desova do contêiner é uma prerrogativa incontestável do importador, independentemente da recusa do terminal alfandegado em realizar esse procedimento. O Acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, no processo de Apelação Cível nº 1027384-88.2017.8.26.0562, serve como um farol a iluminar essa questão, evidenciando a solidez desse direito.
Ação de obrigação de fazer – Transporte marítimo de carga – Pretendida pela autora a condenação do terminal réu a proceder à desova do contêiner, bem como a arcar com o pagamento das despesas referentes à "demurrage" – Admissibilidade - Contêiner que não constitui "embalagem", nos moldes do que reza o parágrafo único do art. 24 da Lei 9.611/1998 – Terminal alfandegado que não se pode opor à desova do contêiner, a fim de possibilitar ao importador a sua restituição ao transportador marítimo – Eventual ausência de espaço físico para armazenar a carga solta que não pode ser oposta à autora – Questão que está intimamente ligada à atividade empresarial do terminal réu – Importador que não pode ser obrigado a arcar com o peso das "demurrages", a pretexto de uma maior comodidade para o terminal réu - Precedentes jurisprudenciais. Ação de obrigação de fazer – Transporte marítimo de carga – Terminal réu que, ao ficar inerte depois de notificado extrajudicialmente pela autora, deu causa à cobrança das "demurrages" – Condenação do terminal réu a restituir à autora tais despesas que se mostrou legítima – Apelo do terminal réu desprovido. (TJ-SP - AC: 10273848820178260562 SP 1027384-88.2017.8.26.0562, Relator: José Marcos Marrone, Data de Julgamento: 19/02/2020, 23ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 21/02/2020)
O contêiner, apesar de sua importância no transporte, é legalmente classificado como uma unidade de carga, não se confundindo com a embalagem ou acessório da mercadoria propriamente dita. Essa distinção é crucial, pois, uma vez que a carga esteja sob a custódia do terminal alfandegado, este não possui o direito de impedir a sua desova. O importador tem o direito de restituir o contêiner vazio ao transportador marítimo, evitando, assim, o ônus do pagamento de taxas de sobrestadia, conhecidas como "demurrage".
A recusa do terminal em proceder à desova, frequentemente justificada pela alegada falta de espaço físico para acomodar a carga solta, não encontra respaldo legal para impedir o exercício do direito do importador. Afinal, a responsabilidade pela organização e estruturação do terminal recai sobre a empresa operadora, e eventuais dificuldades de ordem logística não podem ser injustamente transferidas ao importador.
O Acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo, mencionado anteriormente, reforça essa perspectiva, sublinhando que o importador não pode ser compelido a arcar com os custos das demurrages em função da comodidade do terminal. A decisão judicial vai além, enfatizando a necessidade de o terminal se preparar adequadamente para atender às demandas inerentes à sua atividade, sem onerar o usuário com responsabilidades que não lhe cabem.
A legislação também respalda o direito à desova. A Lei nº 9.611/1998, em seu artigo 24, parágrafo único, estabelece que o contêiner não se constitui em embalagem, reforçando a sua natureza de unidade de carga e, consequentemente, a possibilidade de desova independente da vontade do terminal.
Em suma, o direito à desova do contêiner é uma garantia legal irrefutável do importador, mesmo diante da resistência do terminal alfandegado. Essa salvaguarda visa proteger o importador de custos adicionais e assegurar a fluidez das operações de comércio exterior, tão vitais para a economia. Caso o terminal persista na recusa, o importador pode acionar o Poder Judiciário para reivindicar seu direito e pleitear o ressarcimento de eventuais danos decorrentes da demora na desova. A jurisprudência, como demonstra o Acórdão citado, tem se mostrado favorável aos importadores, consolidando ainda mais esse direito.
Rogerio Zarattini Chebabi
OAB/SP 175.402
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