Duas teses jurídicas fundamentais em tempos de greve da RFB
Introdução
O cenário de greve dos servidores da Receita Federal do Brasil, deflagrada recentemente, trouxe à tona desafios significativos para o comércio exterior. A parametrização proposital de despachos aduaneiros em canal vermelho e a requisição de perícias técnicas com valores exorbitantes configuram práticas que, além de causar atrasos deliberados, impactam negativamente a previsibilidade e a eficiência das operações de importação.
Neste contexto, destacam-se duas teses jurídicas de fundamental importância para proteger o importador contra abusos da Administração Pública: o respeito aos prazos legais para conclusão do despacho aduaneiro e a regulamentação dos honorários periciais de acordo com as normas vigentes.
1. Garantia de Prazo Legal para Conclusão do Despacho Aduaneiro
O artigo 4º do Decreto nº 70.235/72 estabelece o prazo de 8 dias para a execução de atos administrativos pela Receita Federal, salvo disposição específica. Durante a greve, no entanto, tem-se observado a prática reiterada de parametrizar despachos em canal vermelho, exigindo conferências físicas e documentais que frequentemente excedem o prazo legal.
Essa prática, ainda que permitida pelo regulamento aduaneiro em situações específicas, tem sido utilizada como instrumento de pressão contra importadores, ampliando de forma desarrazoada o tempo de permanência das mercadorias nos portos e terminais alfandegados. Tal conduta viola princípios constitucionais da eficiência administrativa e continuidade do serviço público, protegidos pelo artigo 37 da Constituição Federal.
A adoção de medidas preventivas, como o Mandado de Segurança, é essencial para assegurar o cumprimento dos prazos, evitando custos desproporcionais decorrentes de atrasos, como armazenagem e demurrage. Importadores podem, por meio do Judiciário, exigir que a Receita Federal conclua os despachos dentro do prazo regulamentar, mesmo em cenário de greve.
2. Regularização dos Honorários Periciais
Outro ponto crítico diz respeito às perícias técnicas requisitadas nos despachos parametrizados em canal vermelho. Embora tais perícias sejam regulamentadas pela Instrução Normativa RFB nº 2086/2022, que fixa valores objetivos para os honorários periciais (R$ 3.802,50 para laudos técnicos), é comum que sejam aplicados valores muito superiores, baseados na tabela da Associação dos Assistentes Técnicos Aduaneiros do Brasil (AATAB).
Essa prática onera desproporcionalmente os importadores e contraria o princípio da legalidade, previsto no artigo 37 da Constituição. Além disso, a escolha de peritos sem critérios objetivos ou mediante indicação unilateral da Receita Federal compromete a isonomia entre os contribuintes, violando a previsibilidade dos custos envolvidos nas operações de importação.
A impugnação judicial preventiva dessas cobranças abusivas é fundamental para garantir que os valores praticados respeitem a regulamentação oficial. Tal medida visa assegurar a transparência e a previsibilidade das despesas, protegendo o importador de práticas arbitrárias.
Impacto das Práticas Arbitrárias no Comércio Exterior
A greve dos servidores da Receita Federal não pode justificar a imposição de ônus indevidos aos contribuintes. O uso de parametrizações arbitrárias e de perícias excessivamente custosas, como estratégia deliberada para prolongar os despachos, compromete a atividade empresarial e gera um ambiente de insegurança jurídica.
Os prejuízos vão além do âmbito financeiro, impactando diretamente a competitividade das empresas brasileiras no mercado internacional. Custos adicionais e atrasos afetam o planejamento logístico, acarretando descumprimento de contratos e perda de credibilidade junto a parceiros comerciais.
Considerações Finais
As teses jurídicas discutidas neste artigo são ferramentas indispensáveis para combater os abusos observados durante a greve da Receita Federal. A judicialização, tanto para assegurar o cumprimento dos prazos legais quanto para regularizar os honorários periciais, representa um caminho legítimo para proteger o importador e restabelecer a ordem no comércio exterior.
É crucial que os operadores do Direito e os empresários estejam atentos a essas práticas e adotem medidas efetivas para resguardar seus direitos. Mais do que uma reação pontual, essas ações reforçam a importância da observância das normas legais e dos princípios constitucionais, promovendo um ambiente de maior previsibilidade e segurança jurídica para o comércio internacional.
Rogerio Zarattini Chebabi
OAB/SP 175.402
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